terça-feira, junho 15, 2010

Anos Elásticos


Quando o criador de modas, o dono de um hotel, o vendedor de abrigos ou um salva-vidas na praia de Tel Aviv falam do “ano que vem”, cada um deles têm em mente um período de atividades diferente – a jornada de trabalho de cada um – cujo começo e duração também são distintos um do outro.

Isto nos explica por quê, no Talmud, o tratado de ראש השנה (Rosh HaShanáh, o Ano Novo judeu) começa com a afirmação de que, na realidade, existem quatro “começos de ano” diferentes. Um deles é o que vamos celebrar em setembro: o da conta do calendário hebreu. Porém também existem “o ano novo dos reis e das festas de peregrinação”, o do “dízimo dos animais” e o “das árvores” (Talmud Rosh HaShanáh, cap. 1, Mishnáh 1).

Trouxemos à lembrança tudo isto para explicar por quê o conceito de “ano” é algo muito elástico, que varia de pessoa para pessoa, apesar das folhas do almanaque – seja ele hebraico, gregoriano ou outros que há no mundo – pareciam unir-nos em torno de um único eixo temporal.

Além disso, o termo hebreu שנה (Shanáh, em hebraico, ano) provém da raiz ש - נ - ה (SH-N-H), que indica a idéia de “diferença, distinção”. Com um verbo derivado desta raiz, quando chega a festa de Pêssach (Páscoa), nossos meninos perguntam-nos ao começar a cerimônia: מה נשתנה (máh nishtanáh) – O que diferencia esta noite das outras?

Quais mudanças ou diferenças são aludidos por este termo שנה (Shanáh, “ano”)?

As da natureza, sem dúvida. A sucessão das estações do ano quando, no período de tempo que transcorre de um outono a outro produz-se uma série de trocas no mundo que nos rodeia. As que ocorrem na duração do dia e da noite, na temperatura do meio ambiente, na cor do céu coberto por nuvens que se tornam chuva ou não, na perda das folhas das plantas e sua posterior volta a florescer, na migração dos diferentes animais, etc.

Tudo isto muda constantemente ao longo do ano, num ciclo vital que volta a repetir-se uma e outra vez. Entretanto, aqui em Israel a passagem de um clima a outro é muito curta, e até seria melhor falar de uma estação longa e quente – o verão – e uma mais curta, chuvosa e fria – o inverno – separadas por outonos e primaveras muito breves, de apenas umas poucas semanas. Em novembro, tarda entre sair à rua com camisas de manga e sandálias e, em poucos dias, encasacados, com pulôveres e sapatos fechados; ou vice-versa em março ou abril.

Além disso, a etimologia da palavra שנה (shanáh, “ano”) também pode ajudar-nos a explicar melhor algumas idades um pouco prolongadas em certas passagens bíblicas, especialmente em seu primeiro livro Bereshit ou Gênesis. Lemos ali as idades que alcançaram os três patriarcas do povo judeu: Avraham, 175 anos; Yitschak, 180 e Yaakov, 147. E, acerca da esposa do primeiro deles – Saráh –, conta-nos a Bíblia que teve um filho, Yitschak, quando ela havia passado os 90 anos (Bereshit-Gênesis, cap. 17, vers. 17) e já havia deixado de ter “costume como as mulheres” (Cap. 18, vers. 11), a menstruação, entrando no que hoje denominamos menopausa.

Não queremos pôr em dúvida os números que nos apresenta a Bíblia. Porém, em todas estas datas, que talvez pareçam “exageradas”, atrevemo-nos a oferecer uma nova interpretação à palavra שנה, shanáh: uma “mudança” ou uma “diferença” na natureza, ou seja, cada uma das principais estações de Israel, tal qual descrevemos. Então os noventa “anos” de Saráh seriam, na realidade, uma sucessão de 45 verões e outros tantos invernos, que somados dão 90, ou seja, 45 anos “dos nossos”. E, então, nessa idade crítica para as mulheres, quando parecia que Saráh já havia cessado sua faculdade de procriar, algum óvulo que todavia restava deu origem a seu filho Yitschak. Aos 45 anos, sim... porém, aos 90!?

E, no capítulo 5 do livro, poderíamos dar enfoque também às idades de Adam e seus descendentes, que chegam a superar os 900 anos. Se considerássemos שנה – shanáh – como a mudança de uma lua nova a outra, ou seja, meses lunares, e dividíssemos cada um desses números por 12, chegaríamos a idades de sessenta, setenta ou oitenta anos “dos nossos”.

Resumindo, a chave não estaria em considerar exageradas ou errôneas as cifras que nos são dadas pelo texto bíblico, e sim numa interpretação de modos diferentes do vocábulo שנה, shanáh.

Porque até hoje, o conceito de “ano” é algo muito elástico...