Recordando o
Holocausto, enlutados em Tisha BeAv


O Holocausto é
incomparável a qualquer tragédia na história, pois foi o extermínio monstruoso,
sádico e sistemático de um povo. Nele, os judeus não tombaram em batalha nem
morreram vítima de uma praga terrível. Sofreram praticamente todas as formas de
tortura e violência – física, psicológica, emocional e espiritual. Como
declarou Emil Fackenheim – renomado filósofo judeu alemão –, o Holocausto foi a
maldade pela maldade. Os romanos foram cruéis e sanguinários – eles, também,
assassinaram milhões de judeus – mas a maioria deles não praticou a maldade
pela maldade. Eles matavam para conquistar; os nazistas matavam para
matar. Os romanos lutaram para conquistar os judeus, ao passo que os nazistas
queriam exterminar todos nós. O que é particularmente revoltante sobre o
Holocausto não é apenas o fato de ter sido cruel e covarde e sádico – as ações
dos serial killers
mais eficazes e sádicos da história – mas o fato de ter sido completamente sem
motivo, político ou militar. Diferentemente dos franceses, o Povo Judeu não
venceu a Alemanha nem lhe impôs o Tratado de Versalhes. Diferentemente dos
ingleses, não governávamos um império. Diferentemente dos soviéticos, não
tínhamos tendências imperialistas. Éramos um povo desarmado e indefeso que
vivia no exílio há quase 2 mil anos. Não possuíamos estado nem exército
próprio. Não ameaçávamos nem prejudicávamos ninguém. A maioria dos judeus,
particularmente aqueles que viviam na Europa Oriental, eram extremamente pobres
e religiosos. Viviam para constituir família, preservar o Povo Judeu, estudar a
Torá e cumprir seus mandamentos. Sonhavam não em conquistar o mundo, como os
ingleses, os soviéticos e os alemães, mas com a redenção – com uma era na qual
os seres humanos desfrutariam de paz e prosperidade. Inesperadamente, mais de 2
mil anos após o fracasso do plano de Haman de extermínio de todo o Povo Judeu,
um novo Haman, mais eficaz, se ergueu. O homem mais maligno que já existiu
sobre a Terra – responsável pela morte de dezenas de milhões de pessoas –
inclusive de milhões de seus compatriotas – decidiu que seu principal objetivo
na vida era exterminar o Povo Judeu. Ele estava tão obcecado com a morte de
todo judeu existente, que até desviou recursos para este fim durante a guerra.
Para ele, o extermínio dos judeus era mais importante do que vencer a guerra e
conquistar o mundo.
Apesar de
negociarem e se sujeitarem a ele, e se aliarem e até lutarem contra ele, nenhum
país prestou muita atenção ao que ele fazia aos judeus. Nunca fomos parte da equação...
A Grã-Bretanha e a França entraram na guerra por causa da Polônia. Jamais
teriam feito isso por causa dos judeus. Os nazistas exterminaram quase 7
milhões de judeus e, excetuando-se umas poucas almas nobres e valentes, o mundo
não emitiu um som sequer de protesto.
O episódio mais
escuro e cruel na História Judaica – um evento sem paralelo na História da
Humanidade – clama por nós. O Holocausto nos ensinou que muito homens são maus
e a maioria deles é indiferente. Portanto, nós, judeus, só podemos depender de
nós mesmos. Devemos recordar-nos do Holocausto – e de suas lições extremamente
dolorosas e importantes – sempre, e senão todos os dias do ano, pelo menos em
um único dia. Não há dia, no calendário judaico, que seja mais apropriado
para prantear o Holocausto do que Tisha
BeAv – o dia de luto nacional, que, com todos os seus costumes
e em toda a sua essência, tornou-se um dia de luto particular.
Em Tisha BeAv, seguimos o
costume dos enlutados. Nesse dia, devemos prantear não apenas a queda do Templo
Sagrado de Jerusalém, mas também os 7 milhões de judeus que os nazistas, imach shemam, que seus
nomes sejam banidos, tiraram de nós.
Não basta recordar
o Holocausto no Yom HaShoá
ve HaGuevurá (Dia do Holocausto e da Bravura), porque o tema desse
dia, como seu nome indica, é o heroísmo e a rebeldia judaicos diante do mal.
Podemos celebrar os heróis judeus tombados no Yom HaShoá, como o fazemos no Yom Hazikarón, mas nosso
povo necessita ao menos um dia para chorar. O Yom HaShoá é um dia para se contar
histórias sobre o Holocausto e daí se tirar as lições adequadas. É o dia em que
todos os judeus se erguem e prometem proteger está e todas as gerações futuras
de nosso povo. O Yom
HaShoá não é um dia de lágrimas – e nós precisamos chorar. E o
dia para isso é Tisha BeAv.
O Talmud nos ensina
que não transcorre um dia sem que o Todo Poderoso não chore pela destruição de
Seu Templo e o exílio do Povo Judeu. Nós não precisamos prantear todos os dias,
mas podemos e devemos fazê-lo ao menos um dia por ano, porque apesar do
heroísmo e do martírio de nosso povo – apesar da Santificação do Nome de D’us, Kidush Hashem, de todos
eles, que morreram por serem judeus, e a despeito de sua coragem, bravura e
dignidade – foram mortos quase 7 milhões de judeus, incluindo 1,5 milhão de
crianças. Muitos deles sofreram horrores indescritíveis – dia após dia, mês
após mês, ano após ano. A maioria de nós nem pode imaginar o que eles passaram.
Em Yom HaShoá
é perfeitamente aceitável postar-se bravamente perante o mundo – para reafirmar
a eternidade do Povo Judeu, com orgulho de ser parte de um povo que se reergueu
das cinzas do Holocausto.
Em Tisha BeAv, no entanto,
devemos transportar-nos de volta no tempo e lembrar-nos de nossos irmãos que
tombaram. O Povo Judeu é uma alma coletiva que se incarna em diferentes
corpos. Isto significa que estivemos todos nos campos de concentração. Todos
estivemos nas câmaras de gás. Sofremos o frio lancinante, a fome, os pelotões de
fuzilamento, a tortura e as diabólicas experiências médicas. A dor permanece na
alma de todos os judeus, mesmo daquelas cujas famílias não pereceram nem
sobreviveram ao Holocausto. Todo judeu necessita chorar pela parte de nossa
alma coletiva que foi roubada pelo mal encarnado. Em Tisha BeAv, se um judeu
não consegue chorar pela queda do Templo, ele deve ao menos fazê-lo pelos 7
milhões de seus irmãos.
Se alguém lhe
perguntar: “Para que chorar, afinal? Por que não enterrar o passado e
celebrar o presente? ”, a resposta é que recordando o Holocausto em Tisha BeAv, podemos
abrir o coração de muitos judeus, especialmente dos mais jovens, ao estudo da
História Judaica, para que possam melhor entender quem são, de onde vieram e o
que os últimos 2 mil anos de nossa História têm a lhes ensinar. Isso instilaria
neles um maior apreço pelo Estado de Israel: o que representa e qual a sua
importância suprema. Recordar o Holocausto em Tisha BeAv
ensinaria às gerações mais jovens que a História, particularmente a judaica, é
uma cadeia de eventos – e o que fazemos hoje afeta as gerações futuras.
Finalmente, recordar o Holocausto no 9º dia de Av nos faria lembrar que o Holocausto não
se iniciou quando um homem diabólico subiu ao poder na Alemanha, mas, sim,
quando outras nações conquistaram a nossa Pátria, de lá nos expulsando. Se há
uma lição que nenhum judeu pode esquecer, é estar aqui: enquanto estávamos no
exílio, sem nossa terra, estávamos ameaçados de cair em mãos dos Hamans que
surgem de tempos em tempos. Portanto, a principal tarefa do Povo Judeu tem que
ser assegurar que a Pátria Judaica jamais seja vencida. Não podemos arriscar
sua segurança de maneira alguma. Devemos pagar qualquer preço, fazer qualquer
sacrifício e qualquer coisa em nosso poder, física e espiritualmente, para
garantir sua segurança e existência eterna.
Há uma razão
adicional para que nos lembremos do Holocausto em Tisha BeAv. Os lampejos e vislumbres da
redenção inerentes à data – há uma tradição que diz que Tisha BeAv é a data da
Redenção Messiânica – dão-nos a esperança de que talvez um dia possamos superar
o sofrimento causado pelo Holocausto.
Nossos Sábios
ensinam que quando vier a Era Messiânica, Tisha
BeAv, o dia da redenção, será o dia mais feliz do nosso calendário.
Talvez seja porque com o advento da Era Messiânica haja tanta alegria no mundo
que todas as tragédias passadas sejam esquecidas. Talvez, quando todos os
mortos ressuscitem, não choremos mais por aqueles que sofreram e morreram –
porque eles estarão reunidos conosco, outra vez. Talvez, na Era Messiânica,
D’us responda todas as nossas perguntas, inclusive aquelas sobre o Holocausto.
Até esse dia, no entanto, temos que recordar, temos que prantear, e temos que
tirar as conclusões e lições necessárias.
Em Tisha BeAv, todos os judeus
devem jejuar e ir à sinagoga para rezar e chorar – se não pela ausência do
Templo, então pelo Holocausto e pelas outras tragédias na História Judaica.
Todo judeu deve jejuar e se enlutar em Tisha
BeAv – se não for por D’us, então que seja por nosso povo. Pode ser
que não muitos de nós pranteemos em Tisha
BeAv o exílio da Shechiná,
a queda de Jerusalém e a destruição da Morada Divina na Terra, mas todo judeu
pode e deve chorar pelos que tombaram, cujo grito continuará a reverberar até a
vinda do Mashiach.
Se nos juntarmos a seus gritos – se gritarmos do fundo de nosso coração –
talvez nossas vozes subam aos Céus e D’us “ouça” e “se recorde”, e finalmente
traga a redenção não apenas ao Povo Judeu, mas a todos os seres bons e decentes
que anseiam por um mundo melhor.
Em Tisha BeAv, prantearemos
e oraremos pelo cumprimento do que o Rei David, o homem que fundou a Cidade de
Jerusalém, escreveu em um de seu famosos Salmos: que quando D’us levar todo o
nosso povo de volta à Terra de Israel, nossa boca estará cheia de risos e nossa
língua exultará. “Os que ora semeiam em lágrimas”, ensinou o Rei David, “hão de
chegar à colheita com alegria. Os que a chorar vêm trazendo as sementes, em
júbilo retornarão, carregando os frutos da colheita, tão esperada”. (Salmo: 126)
Amén, ken
yehi ratsón.