O Futuro do Judaísmo ou o Judaísmo do Futuro:
A respeito dos valores judeus
A respeito dos valores judeus
Foi Theodor Hertzl quem falou de "state heart" e "people heart": condição de estado e condição de povo. Hertzl acreditava que um estado próprio é o pré-requisito para a sobrevivência e a unidade do povo judeu. Em termos hertzelianos, o estado é um meio para alcançar um fim maior, o estado é um ponto alto, mas o povo judeu é o objetivo máximo. Apesar da grandiosidade da fundação do estado, maior ainda é o desafio de garantir a continuidade do Povo Judeu.
Eu gostaria de transmitir nesta mensagem do inicio do ano, sobre tolerância religiosa ou sobre a compreensão entre os membros de nossa Comunidade, assim como reflexo das outras Comunidades. Não externa a não ser interna. A atual divisão dentro da Comunidade judia mundial constitui, em minha opinião, uma tendência destrutiva. Mais ainda que as atividades anti-semitas ou judeofóbicas. Esta divisão sobre a que eu gostaria de falar, traz consigo o grave perigo de um verdadeiro appartheid entre judeus ortodoxos e judeus liberais. Se nossa geração não consegue transpor a curto prazo as barreiras religiosas e ideológicas entre judeus, prevejo que no próximo século não haverá um povo judeu, a não ser dois.
Não pode haver futuro para um povo sem que haja união interna no presente, sem presente não pode haver futuro. União, claro, não implica unanimidade. Implica logo que exista respeito pelas diferenças que naturalmente existem. O pluralismo é a essência da democracia e é o fundamento sobre o qual se assenta o judaísmo. A união é possível, penso, e digo isso com plena e sincera convicção. Sou consciente das tensões internas, que não são só ideológicas, há princípios em questão, há rivalidades que nem sempre são só ideológicas e ainda assim acredito que a união entre judeus é possível. Em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Buenos Aires, em Montevidéu e inclusive no Jerusalém.
Acredito que é primitivo defender na prática a unidade de nosso povo claramente e com a mesma seriedade com que o fazemos na teoria. Não me cabe como um judeu neo-ortodoxo (a linha ideológica à qual pertenço – sionismo religioso) falar sobre o que nossos irmãos liberais estão fazendo mal ou o que estão fazendo bem. Sobre nada disso posso opinar. Sim sobre o que nós devemos fazer em prol da união do Ishuv (população – Comunidade). Em vez de só denunciar a intransigência de nossos irmãos liberais ou reformistas temos que adotar uma plataforma positiva que tenha em conta o presente e o futuro do Judaísmo. Vou tratar de explicá-lo.
Acredito que se deve pensar ao respeito dos ortodoxos com o devido crédito. A dedicação ortodoxa sobre valores importantes da Continuidade Judaica, a educação (chinuch), constitui um bom exemplo para toda a comunidade judia. Inclusive o secularista declarado Nahum Goldman Z”L (O extinto presidente do Congresso Judeu Mundial), sempre dizia que é mais seguro entregar Chinuch, programas de educação judia nas mãos dos ortodoxos, são eles os que obtêm os melhores resultados. São eles os que conseguem aprofundar mais na identidade judia. São eles também os que levam os meninos para encher as classes. Nossa postura deve manter um bom equilíbrio, é certo que muitas vezes setores da ortodoxia judaica ou establishment ortodoxo (não incluindo os Sionistas Religiosos) usam o poder político e financeiro para reprimir o judaísmo localizado mais a esquerda do espectro judaico como assim também criticando a nossos irmãos judeus que pertencem a uma ortodoxia moderada (The Modern Ortodox).
Porém devemos, com um dialogo e uma posição equilibrada incentivar ao mesmo tempo a relação com nossos irmãos judeus ortodoxos moderados como também reconhecer os esforços do setor mais ortodoxo por manter a continuidade, mas marcando-lhes os erros por sua intolerância no comportamento à respeito daqueles que vivem e são de uma concepção diferente. É necessário que haja um diálogo constante entre judeus liberais e ortodoxos em todos os níveis, não só entre rabinos e dirigentes comunitários senão, principalmente, entre as massas.
Se estamos conseguindo superar através do diálogo, 2000 anos de ódio e desconfiança entre cristãos e judeus (apesar da existência de setores totalmente totalitários em sua cognitiva forma de atuar), certamente somos capazes de superar o ódio e a desconfiança entre judeus e judeus, que é muito mais importante. Vivemos hoje em dia em sociedades abertas e pluralistas, os judeus estão expostos a diversos modos de vida alternativos. Em cada ambiente, quanto mais modalidades de vida judia à comunidade ofereça, maior o número de judeus que escolherá uma entre estas opções, fortalecendo assim ao povo judeu como um todo. Se limitarmos as opções judias, a gente vai terminar por escolher opções não judias. É um princípio elemental de marketing.
Ainda nesta ética de respeito mútuo, as diferentes correntes dentro do judaísmo, necessitam da singularidade umas das outras para encher suas próprias carências internas; cada grupo necessita ajuda dos outros, da presença dos outros. O movimento liberal precisa aprofundar seu sentido de tradição. Através do contato com uma família ortodoxa, o judeu não ortodoxo pode captar melhor a beleza do Shabat e pode inclusive começar a observar estas tradições em seu próprio lar. A comunidade ortodoxa por sua vez precisa aumentar sua capacidade de responder com sensibilidade às questões universais contemporâneas. É uma das melhores formas de motivar aos judeus ortodoxos no sentido da ação social seria através do conteúdo e contato com judeus liberais comprometidos neste campo. Existem, obviamente, diferenças irreconciliáveis, mas isto não deve nos impedir a todos nós procurar áreas de cooperação, interesse mútuo, e o apoio ao Estado do Israel em primeiro lugar, sem realizar criticas destrutivas que dêm lugar a alimentar culturalmente o ódio.
Trabalho em prol do Chinuch e Tarbut, educação judia, e cultura judia. O diálogo dentro da comunidade, não só diálogo fora da comunidade. Este diálogo vai ter que envolver, inicialmente, a judeus moderados de ambos os lados, com a esperança de que com o passar do tempo um número maior de judeus ortodoxos se torne mais moderado, mais moderado não em seu grau de observância a não ser em sua receptividade aos judeus de outras denominações. Neste ínterim, assim como os moderados da ala ortodoxa são atacadas pelos extremistas por querer dialogar e cooperar, também, os judeus liberais, não podem deixar-se intimidar pelos radicais dentro das próprias fileiras, aqueles que se opõem a qualquer forma de diálogo. A meta prioritária para os judeus no começo de um novo milênio é irmanar-se aos judeus; o ódio gratuito só pode ser superado por Ahavat Chinam, amor infundado, assim expressava o Grã Rabino Abraham Itschac Hacohen Kook Z”L (Grã Rabino de Erets Israel antes da criação do estado de Israel e pai do Sionismo Religioso). Há amigos que podem ser conquistados, alianças que se podem formar, uniões que se podem consolidar, novas opções que se podem encontrar. A não ser que os judeus aprendam a reconhecer uns aos outros, perderão o reconhecimento dos não judeus. Então em vez de procurar o fracasso uns dos outros, acredito que devemos rezar e trabalhar pelo bem-estar e êxito uns dos outros. Para combater o extremismo judeu necessitamos judeus conscientes, equilibrados, moderados, judeus tolerantes e compreensivos. No cenário da vida judia contemporânea, tão carente de moderação política e religiosa é necessária a dose de tradicionalismo e continuidade.
Necessários são os judeus que assumam com orgulho e dignidade sua condição judia e ao mesmo tempo apóiem o diálogo com representantes de outras correntes. São necessários sionistas que se dediquem de corpo e alma ao bem-estar do Estado do Israel e ao mesmo tempo se preocupem com os direitos humanos de outras minorias. No auge da ditadura, na Argentina, Uruguai e aqui no Brasil, na década do 70 os militares enviaram uma mensagem aos líderes dos movimentos juvenis: Cuidem dos radicais, que nós cuidamos dos nossos. Esse é o papel dos judeus na América Latina, acredito. Então, dentro de nossas limitações, cuidar de nossos radicais, tratar de que sua percepção da verdade não passe disso, uma mera percepção e como tal pode ser parcial e desviada, tratar de lhes mostrar que somos todos filhos de um mesmo D’us e portanto somos todos irmãos e lhes mostrar que só alcançaremos nossos objetivos judeus se desarmarmos o espírito e nos empenhamos com determinação no entendimento mútuo. Nosso Primeiro Ministro Ariel Sharon deu mostra de seu equilíbrio, em seus desejos em procura da Paz, apesar de que ainda não encontrou-se um interlocutor.
Meu sonho para o judaísmo latino-americano, para que haja um futuro quantitativo e qualitativo: eu gostaria que houvesse mais harmonia dentro das comunidades judaicas, mais respeito entre rabinos, mais respeito entre dirigentes comunitários, mais compreensão entre judeus ortodoxos e liberais, ashquenazim e sefaradim. E que as divergências se restrinjam às idéias e não se apóiem em vaidades pessoais e jogos de poder. É meu sonho, eu gostaria que houvesse mais conteúdo judeu nos projetos comunitários e menos ostentação. Eu gostaria que se desse aos intelectuais judeus na América Latina o mesmo status que se dá aos empresários judeus. Eu gostaria que os judeus latino-americanos se conscientizassem de que seu destino está intrinsecamente ligado ao destino de Israel e que tal conscientização se reflita em atos concretos de solidariedade. No novo milênio há problemas externos que devem ser superados, mas os primeiros passos são enfrentar e vencer os desafios internos. E que o inicio de ano nos traga motivos para acreditar que tempos melhores virão para nossa Comunidade, para o Estado de Israel, para o Povo Judeu, para a sociedade de Israel. Que assim seja. AMÉN