Além do Sambation[1]:
O Mito das Dez Tribos Perdidas
As Dez Tribos Perdidas de Israel têm despertado a imaginação dos povos desde os imemoriais. Sabemos que no século VIII a.e.c o Império Assírio destruiu o Reino de Israel, dando início ao exílio de seus habitantes. Conhecemos até mesmo alguns dos lugares para onde foram deportados, de acordo com relatos da Bíblia.
Isso é tudo o que sabemos. No entanto, as Dez Tribos continuaram a habitar o real e o imaginário desde essa época. Para o povo judeu, a memória dessas tribos foi preservada no inconsciente coletivo, como um membro extirpado do corpo de uma nação que, espera-se, retornará e se juntará novamente no “fim dos dias.” De acordo a tradição Rabínica, a volta das Tribos Perdidas figura como pré-condição para a redenção (gueuláh) também adquire significado de peso.
O falecido Guershom Scholem, a maior autoridade contemporânea versada em misticismo judaico, escreveu na sua obra monumental sobre o falso messias Shabetai Zvi que “havia uma tradição legendária popular persistente acerca das Tribos Perdidas. Em tempos de propaganda escatológica... e expectativas milenaristas, os relatos combinando narrativas nem sempre totalmente verdadeiras sobre judeus em países distantes, com fantasias desenfreadas, eram os que mais proliferavam”. Nos tempos de Shabetai Zvi e Natan de Gaza (século XVII), por exemplo, corriam numerosos boatos de que os exércitos das Dez Tribos estavam vindo do deserto para atacar os turcos.
Havia ainda rumores de que as Tribos Perdidas estavam prestes a conquistar Meca. As histórias eram tão persistentes que, em 1665, os muçulmanos de Túnis cancelaram sua peregrinação à cidade sagrada.
Lendas semelhantes -- anunciando a chegada de exércitos das Tribos ou descrevendo seus reinos em algum lugar distante no interior da Ásia ou da África -- têm surgido regularmente desde a Idade Média.
Circularam no Oriente Médio e na Europa através de cartas escritas por judeus, em relatos descritos por diplomatas ocidentais ou em publicações ocasionais. Nos séculos XVI e XVII, essas histórias tinham aparentemente um papel importante para disseminar a concepção messiânica no mundo judaico, porem era utilizado essa crença tão enraizada no Povo Judeu, que permitia promover interesses políticos dos Estados europeus na luta contra o Império Otomano.
A imaginação popular tende a ser fantasiosa para compensar a dura realidade do dia-a-dia. A realidade do povo judeu era a do exílio e da servidão. Assim era muito reconfortante imaginar que em algum lugar, além do rio Sambation, viviam judeus com a pele rosada, fortes e orgulhosos, talvez até gigantes; judeus que tinham independência política e poderio militar, que eram justos e puros e cujo reino era uma verdadeira Utopia, inundado de riquezas materiais e felicidade.
A lenda, os boatos e as narrativas de viagens imaginárias foram passadas de geração a geração. Publicadas em várias versões, tanto em hebraico como em iídiche, conquistaram corações e inflamaram a imaginação. Ao final do século XIX, essas narrativas começaram a se inserir na moderna literatura iídiche e hebraica.
De acordo com o professor universitário Shemuel Wersess, as fontes históricas e literárias das Dez Tribos são “um composto de crônicas semi-históricas, rumores históricos e lendas de natureza mitológica, estruturado em sua maior parte no formato de diálogos de viajantes, relatos de viagens e ligado a várias personalidades, algumas reais, outras imaginárias”.
A adição de pseudo documentos, tais como cartas dos chefes de tribos a seus irmãos no exílio para além do Sambation, e a precisão com que as localizações geográficas eram descritas, tinham a intenção de conceder a essas narrativas uma dose de credibilidade. O regresso dos Falashas, os Judeus provenientes da Etiópia, ensinam, que não são as historias tão lendárias, senão que tem fortes laços históricos porem principalmente Bíblicos.
Com as explorações do Novo Mundo, houve uma mudança gradual na abordagem do assunto, particularmente no mundo cristão. Como resultado da exploração e da repressão aos índios nativos da América pelos conquistadores, uma polêmica sobre “direitos humanos” surgiu no século XVI. Consternados com o tratamento dispensado aos nativos americanos, vários missionários passaram a argumentar que os índios eram seres humanos, com direitos humanos universais, e com direito à conversão ao cristianismo; a alegação de que eram descendentes dos antigos israelitas forneceu uma base conceitual para a atividade missionária.
Teorias “científicas” começaram a aparecer, a partir das quais estudiosos e missionários tentavam identificar várias tribos com as Dez Tribos Perdidas, com base nas semelhanças de seus costumes com as tradições bíblicas. Apoiada primeiramente por clérigos protestantes anglo-americanos e sábios, esta tendência continuou até o século XX.
Antropólogos modernos que examinaram o efeito das teorias das Dez Tribos sobre os diferentes grupos nativos, em todo o mundo, têm enfatizado a função política a que serviram. Alguns grupos destituídos, expostos à atividade dos missionários, foram levados a se identificar com os Filhos de Israel que sofreram o peso do exílio e da opressão e, então atribuíram para si origens judaicas antigas. O fato explicaria os judeus maoris da Nova Zelândia, os judeus achantis na África Ocidental, e outros.
Nos últimos 200 anos, tem havido uma corrente crescente no mundo ocupada em procurar as Tribos Perdidas e estabelecer um elo entre elas e comunidades remotas, particularmente na Ásia.
No final do século XIX e início do XX, vários estudiosos e emissários da comunidade judaica na Terra de Israel saíram em busca dessas tribos. O segundo presidente de Israel, Yitzchak Ben-Zvi, ficou famoso por suas pesquisas sobre os “Dispersos de Israel.”
BIBLIOGRAFIA
- Avihail, Rabbi Eliyahu, The Tribes of Israel, translated from the Hebrew by M.Gross
- Benjamin II, I.J., Eight Years in Asia and Africa from 1846-1855 (Hanover, 1863).
- Ben-Zvi, I., The Exiled and the Redeemed (London: Vallentine & Mitchell, 1958).
- Edrey, Rav. Dr. M., An Historical Account of the Ten Tribes (1836).
- Parfitt, Tudor, Las Tribus Perdidas de Israel
[1] De acordo com a literatura rabínica Sambation é o rio para além da qual a Dez Tribos perdidas de Israel foram exilados pelos assírios rei Salmanasar V[Shalmaneser]. As primeiras referências, com Targum de Ionatan ben Uziel, o rio é dado nenhum atributo especial, mas depois a literatura afirma que se enfurece com corredeiras e atira pedras seis dias por semana, ou mesmo consiste inteiramente de, areia, pedra e fogo. Para os seis dias do Sambation é impossível de atravessar, mas ela pára de fluir cada Shabat, o dia os judeus não têm permissão para viajar, alguns escritores dizem que essa é a origem do nome. Plínio, o Velho , escrevendo na primeira metade do século-, menciona que há um rio na Judéia, que seca a cada Shabat. Seu jovem contemporâneo historiador Flavio Josefus fala do Rio Sabático que ele alega que foi chamado do "o sétimo dia sagrado dos judeus" e que ele localiza entre Arka (na faixa norte do Líbano) e Raphanaea (no Alto da Síria) (Guerra 7,96 -99), embora, segundo o seu relato é seco durante seis dias e só flui no Shabat.