sábado, abril 23, 2011

O judaísmo é uma forma de vida. Idade Media: Sábios de Sefarad

Filosofia Judia na Idade Media

2ª Parte

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Para começar com uma síntese dos pensadores e escritos através dos séculos partiremos cronologicamente uns 400 anos depois da compilação de Talmud.

O primeiro e mais destacado pensador foi Rav Saadia Gaón. Este filósofo viveu no século X, nasceu no Egito, mudou-se a Eretz Israel, posteriormente a Babilônia em árabe.

Seu livro Emunot Vedeot (Crenças e idéias), trata os princípios teóricos do judaísmo integrando as concepções do filósofo grego Aristóteles sobre D’us e sua distância do mundo criado, com as concepções do judaísmo sobre o bem e o mal, o castigo e a recompensa. Também dedica uma parte considerável desta obra ao tema da redenção de Israel.

Os Sábios de Sefarad

Os sábios judeus de al- Andaluz, filósofos, científicos e literatos, até o século XIII, são árabe-falantes e em conseqüência escrevem em árabe culto de seu entorno.

Ibn Shaprut

O sábio Chasdai Ibn Shaprut (pero de 910-970) foi o médico da corte de Abd al-Rahman III e al-Hakam II (filho de Abd al-Rahman III). Esta eminente personalidade alcançou uma posição de relevância política que nenhum outro judeu havia conseguido até então na Espanha e o primeiro personagem hispano-hebreu cuja vida e obra conhecemos com detalhe.

Pertencia a uma importante família judaica oriunda de Jaén e foi seu pai Itzchak Ben Ezra Ben Shaprut, um homem que parece muito rico e piedoso, quem decidiu mudar-se para Córdoba, a capital de al-Ándalus para se estabelecer ali.

Recebeu Chasdai uma esmerada educação judaica e pôs também seu empenho em estudar medicina, sobressaindo notavelmente nesta ciência. Também mostrou um grande interesse pelos estudos lingüísticos e mesmo assim dedicou seu tempo à aprendizagem das línguas árabe e latina.

Embora pareça que seu principal cargo foi ser médico de califa cordobés, desempenhou também outras importantes funções. Seu conhecimento das línguas lhe permitiu realizar em ocasiões missões diplomáticas de êxito pela corte de Córdoba, de modo que também deixou sentir influencia na política exterior do califado.

No campo da medicina colaborou com o grupo que traduziu ao árabe o original grego da Matéria Médica de Dioscórides Penádeo de Cilicia (40-90) - o primeiro tratado serio e livre de superstições sobre botânica e farmacologia- e que recopilou em dita obra todo o saber farmacológico do seu tempo. Este importante texto foi um dos presentes que o imperador de Bizâncio, Constantino Porfirogenetos, fez ao Califa Abd al-Rahman III com motivo das boas relações diplomáticas existentes entre os dois países.

Com o fim de levar a cabo a versão da obra ao árabe o califa pediu ao imperador que se proporciona um perito em língua grega para que se traduza do original grego ao latim O monge Nicolas foi enviado a Córdoba para realizar tal missão e Chasdai colaborou com ele, pois devido aos seus conhecimentos da língua latina e da ciência médica sua intervenção foi de grande importância para que a mencionada versão árabe se concretiza. Com respeito ao talento diplomático de Chasdai e suas conquistas neste campo destacaremos sua intervenção nas negociações com a rainha Toda de Navarra, que compareceu a Córdoba no ano 958 com seu neto Sancho I o Craso, rei de Leon (956-958/960-966) que buscava o apoio de Abd al-Rahman III para recuperar seu reino e seus serviços médicos de Chasdai para curar-se de sua hidropisia. A atuação de Chasdai neste caso, como médico e diplomático, deu lugar a uma benéfica aliança cuja realização se atribuiu a sua habilidade e talento.

“Maior interesse despertou essa florescente cultura árabe entre os embaixadores transpirinaicos que traziam missões diplomáticas diante dos califas cordobeses”.

Instalados na capital do califado, logo vieram as superioridades científicas, filosóficas e culturais de Islã sobre os reinos cristão europeus e sentiram em seguida a avidez de se levar quanto podiam de livros, de saberes e ainda de intelectuais e científicas na pessoa. É o caso dos embaixadores acolhidos por Abd al-Rahman III (912-961) e seu amigo íntimo, eminente científico, o judeu Chasday ibn Shaprut (h.910-970), que tanto lhe ajudou em missões diplomáticas, através das quais a ciência árabe penetrou na Europa. Tais foram as que receberam do imperador germânico Oto I (912-973) e do rei Franco Hugo Capeto (938-996), conhecido como Hugo I “(Joaquín Lomba Fuentes: a raiz semítica do europeu)”.

“As duas grandes conquistas que fizeram célebres e Hasday no campo da medicina foram sua tradição do Dioscórides e a invenção de um prodigioso fármaco que viera a ser como uma espécie de penicilina de seu tempo. (...) A conquista de Hasday no campo da medicina foi à invenção de um fármaco” triaca “(theriaca), chamado em árabe furq, de extraordinárias propriedades curativas. No século I antes da era cristã, o rei Mitriades Eupator descobriu o remédio curativo Theriaca. Mais tarde, o médico de Nero, Andrómaco de Creta, havia se aperfeiçoado fármaco criando uma droga de 61 elementos. Com o passar do tempo, a fórmula se perdeu e constituiu o objeto da busca de muitos médicos. Hasday conseguiu dar de novo com a fórmula.” (Carlos del Valle Rodríguez: A Escola Hebraica de Córdoba)

Chasdai foi considerado como Nasí (príncipe) das comunidades judaicas de Al-Andaluz. Entre seus protegidos se encontram os dois primeiros poetas hispano-hebreu: Dunash ben Labrat e Menachem ben Saruk, pioneiros também dos estudos gramaticais.

Ibn Pakuda

Sempre em Al-Andaluz, o filósofo e moralista judeu zaragozano Behaya Ibn Pakuda (segunda metade do século XI), influenciado pelas correntes gnósticas islâmicas e neoplatônicas, escreveu em árabe “Chovot Halevavot” (Os deveres do coração) uma das obras mestras da literatura ascética.

Nesta obra Ibn Pakuda, se dedica a definir as qualidades que o indivíduo deve desenvolver para servir a D’us e cumprir com sua missão neste mundo. Também assinala as diferenças entre os deveres que recaem sobre o coração e os que recaem sobre os demais órgãos do ser humano (é dizer, aquelas regras que o individuo cumpre com seu corpo).

Diz Ibn Pakuda:

“Busquei-te, Meu D’us, a meia-noite”.

No fundo de minha alma entre trevas;

Recordei-te nos entardeceres

E brilhou para mim a glória de teu nome

Como a luz do sol esplendoroso”.

Salomão (Shelomo) Ibn Gabirol

Durante os três séculos de duração da Alta Idade Media, e estrutura social de Al-Andaluz está composta por uma sociedade mista Hispano-Árabe. O cume da sociedade andaluz está ocupado por um conjunto de famílias árabes e assírios que aportaram toda a sua bagagem cultural. Os judeus se beneficiaram da política da ampla tolerância dos emires e califas cordobéses. Tem que recordar que no Alcorão destaca-se esta tolerância perto dos “povos do livro”, a final de contas, mulçumanos e judeus tem a Abraão como um patriarca comum.

Baixo este califado de Córdoba, o judaísmo alcançou uma verdadeira idade de ouro. É assim que surgem personagens como Avicebrom ou Salomão Ibn Gabirol, como é seu verdadeiro nome hebreu. Este personagem, suas obras e seu peregrinar pelo país podem nos servir de modelo para compreender a liberdade de criação e a facilidade de movimentos na Espanha durante esses tempos.

Salomão (Shelomo) Ibn Gabirol nasceu em Málaga por volta de 1020 e faleceu em Valencia antes de 1070 (não se sabe a data exata). No seu curto período de vida, este astrólogo, filosofo e poeta, emigrou de menino a Zaragoza onde se formo na cultura árabe e hebraica. Como muito outros astrólogos teve um mecenas judeu chamado Iekutiel, que era um funcionário importante do governo de Zaragoza.

Depois da morte de seu mecenas, viajou por toda a península, viveu em Granada e acabou se sobressaindo entre os filósofos judeus que fundaram sua própria escola em Córdoba. Sua filosofia mística e cosmológica tem suas bases nas idéias astrológicas da antiga tradição hebraica, embora se insere na corrente aristotélica e neoplatônica recebida através dos árabes. Entre suas obras desatacam-se: “Azharot, reshuiot e gueulot” e em especial “Keter Malchut” (a Coroa Real) e o livro “Tikun Hamidot” ( A correção dos caracteres).

Ibn Gabirol é o Omar Kayan hispano... Ambos astrólogos dedicam suas poesias ao vinho e ao amor, o vinho e a morte, o vinho e a noite, o vinho envelhecido, o vinho consolador, o enigma do vinho: “vermelho como um combustível de fogo num recipiente” - que transforma em loucura os juízos do homem sensato...”

A única diferença entre Omar e Gabirol é que o primeiro é extremamente otimista e o segundo está marcado pelo pessimismo de um povo abandonado.

Junto a sua poesia, Ibn Gabirol é um dos primeiros judeus espanhóis em desenvolver o conhecimento típico da Cabaláh e toda a astrologia cabalística ou esotérica.

Como bom neoplatônico, Ibn Gabirol manteve fortes controvérsias com os setores opostos ao pensamento filosófico. Seu trabalho poético mais destacado é “Coroa Real” (no hebraico Kéter Malchút). Ali afirma sua profunda convicção monoteísta, tão cara a judeus e mulçumanos:

“És único, o principio de toda a enumeração,

e a base de todo o edifício.

És único e, pelo ministro da tua unidade,

A razão dos sábios fica estupefata,

Porque disso no conhecem nada...

Em efeito, não se concebe em Ti

Nem a multiplicação nem a modificação...

És único. Tua sublimidade e sua transcendência

Não podem diminuir nem descender,

Poderia existir o único que decaia?”

Sua obra por excelência, escrita em árabe, é “A fonte da vida” (em hebraico Mekor Chaim, traduzida para o latim com o título de Fons vitae pelo clérigo espanhol Domingo Gundisalvo em 1150). Este tratado filosófico influiu nos Cabalistas e inspirou ao filosofo holandês descendente de judeus andaluzes, Baruch Spinoza (1632-1677).