O Tempo da Entrega, o Tempo de Oferecer
Uma história é contada sobre um senhor idoso que relatava a seu amigo sobre um excelente restaurante: “A comida é muito boa, os preços são razoáveis e o ambiente é realmente elegante”. Seu amigo lhe pergunta o nome do restaurante e o senhor idoso faz um enorme esforço para tentar lembrá-lo. Então pergunta ao amigo: “Existe uma flor com belas pétalas ... tem um cabo longo cheio de espinhos - como se chama mesmo ?” O amigo responde: “Uma rosa ?” “Sim, é isso !”, diz o senhor idoso enquanto se voltava em direção à cozinha e gritou: “Ei, Rosa! Qual o nome do restaurante onde comemos ontem a noite ?”
Às vezes precisamos de um pequeno lembrete -- mesmo para aquelas coisas que realmente sabemos. E isto nos traz à festividade de Shavuot. É um lembrete anual de que D’us deu a Toráh ao Povo Judeu e que o estudo da Toráh é o sangue de nossas veias !
Shavuot começa na próxima terça-feira à noite, 7 de junho, e tem 2 dias de duração (a propósito, Yizcor[1] é rezado no Quinta-feira, 9 de junho). É o aniversário do recebimento da Toráh pelo Povo Judeu, há 3.312 anos atrás no Monte Sinai.
A liberdade total
Cada festa do calendário judaico tem uma particularidade. Em Pêssach, comemos matsáh; e, em Sucot moramos na Sucáh.Tal vez, a particularidade da festa de Shavuot seja que não tenha justamente nenhuma particularidade; isto é, que a particularidade dela é sua essência mesma: a Toráh, os valores e ensinamentos judaicos, tão milenares, tão atuais que não podemos deixar de pensar em um judaísmo sem Toráh.
Duas diferentes classes de escravidão
Quando a Toráh nos ordenou celebrar a festa de Shavuot na Perashá Emor (Livro Vaikráh -Levítico - cap.23, versic., 3 Livro da Toráh), não especificou em que data de nosso calendário deveríamos celebrá-la.
Simplesmente nos relata que a partir do segundo dia da festa de Pêssach devemos contar sete semanas completas; e, no dia seguinte (o dia cinqüenta da conta), devemos celebrar uma festa e levar ao Mishkán (santuário) uma oferenda de trigo da nova colheita.
Por que a Toráh não fixou uma data determinada no calendário para a festa de Shavuot e sim a relacionou diretamente com a festa de Pêssach?
A festa de Shavuot tem certas características que estão contidas em seus nomes. Assim, como depois do primeiro dia da festa de Sucot vêm seis dias de Chol Hamoed (dias intermediários); e, logo culmina o ciclo no dia oitavo com a festa de Shemini Atseret e Simcháh Toráh (para a diáspora), assim também de alguma forma a festa de Shavuot representa o “oitavo dia de Pêssach”.
Shavuot, também é denominada como “Atseret’ (culminação), pois é a finalização da festa de Pêssach, porque é de fato a culminância de um ciclo que tinha começado em Pêssach”.
Pêssach é a festa da liberdade na qual lembramos à saída de Egito, em cujo país fomos escravos. A situação de um escravo não é unicamente de dependência material e econômica, ou de degradação social e moral. Existe também a escravidão psicológica, que abrange o estado espiritual e sua capacidade de desenvolvimento mental.
Um homem pode ser independente. Pode estar livre na forma física, e portanto ter uma faculdade social de atuar ou não atuar,e ser ao mesmo tempo, uma pessoa escravizada em forma psico-espiritual.
Qualquer um pode ser escravo de seu instinto, de suas paixões e desejos; qualquer um pode ser incapaz de pensar e discernir por si mesmo entre o bem o mal.
No Egito fomos escravos do Farão e essa escravidão mudou o desenvolvimento moral do povo de Israel. Ao libertar-nos, adquirimos a capacidade de renunciar a todas as sujeições do mundo material, aceitando uma função no mundo, de ser “um povo de sacerdotes e uma nação sagrada” (Êxodo - Shemot 19:6) para cumprir assim a eterna missão do povo de Israel: Ser luz para as nações do mundo - Or la Gola.
A liberdade espiritual, a liberdade interior
Imaginemos qual teria sido o destino do povo de Israel, logo após a saída de Egito, se não tivesse recebido a Toráh, a “Constituição” que rege os destinos educativos e morais do Povo de Israel. Eles teriam a capacidade suficiente de permanecerem unidos, conquistar a terra prometida e estabelecer-se como uma NAÇÃO LIVRE? Hoje em dia, numa situação similar, estariam se assimilando aos outros povos, como lamentavelmente acontece na diáspora.
Ao ocultar a data em que acontece a festa de Shavuot, a Toráh quis nos ensinar que ao sair da escravidão egípcia na festa de Pêssach, o povo de Israel só começou seus primeiros passos para a liberdade total, de corpo e alma. Se não tivesse recebido a Toráh teria sido impossível concluir este processo. A festa de Pêssach somente representa a obtenção de uma liberdade semelhante à de um animal, para obter uma liberdade completa e sólida necessitamos do conteúdo espiritual. Shavuot simboliza que atingimos a tão desejada liberdade mental-emocional-espiritual: a liberdade total.
E por isso que devemos aproveitar os dias prévios à festa de Shavuot, preparando-nos diariamente, para poder receber e aceitar a Toráh, chegando a obter a liberdade completa. E a festa da entrega da Toráh e não do recebimento da mesma, porque ao entregar-nos um valor tão apreciado, indiretamente assumimos a responsabilidade de receber e de cuidar.
Assim, ao iniciar a festa de Shavuot, possamos nos sentir como se estivéssemos diante do Monte Sinai dizendo, tal qual os filhos de Israel há mais de 3300 anos: “Kol asher diber Hashem naasé venishmá”- “Tudo o que D’us nos falou faremos e escutaremos” (Êxodo 25:7).
[1] Yizcor: É a oração recitada no oitavo dia de pêssach – 2 dia de Shavuot – Yom Kipur – Sheminia Atseret (8º dia de Sucot). Na qual lembramos aos seres queridos, que faleceram. É uma costume ashquenazi.