Sobrevivente relembra Levante do Gueto de Varsóvia
Aliza Vitis-Shomron, 84, conseguiu escapar do Gueto de Varsóvia dias antes do início do levante. Depois, ela ainda seria enviada, ao lado da mãe e da irmã, para o campo de concentração de Bergen-Belsen. Ela vive em Israel
Aliza Vitis-Shomron posa para foto, em 4 de abril, na sala de sua casa em Kibbutz Givat Oz
Dois dias antes de seus companheiros embarcarem em um levante que viria a simbolizar a resistência judaica ao Nazismo na Segunda Guerra Mundial, Aliza Mendel, 14 anos, recebeu ordens claras: escapar do Gueto de Varsóvia.
O fim estava próximo. Tropas nazistas haviam cercado o gueto, e os rebeldes judeus ali restantes se preparavam para morrer lutando. Eles tinham poucas armas e acreditaram que não faria sentido entregar uma delas para uma adolescente cuja principal tarefa até então era distribuir panfletos.
"Eles me disseram que eu era muito nova para lutar", diz a sobrevivente, agora com 84 anos e conhecida por seu nome de casada, Aliza Vitis-Shomron. "Eles disseram: 'você tem que fugir e contar ao mundo como nós morremos enfrentando os nazistas. Esse é o seu trabalho agora'".
Ela vem fazendo isso desde então.
Aliza publicou um livro de memórias sobre a vida no gueto e dá aulas sobre a revolta e seu lendário líder, Mordechai Anielewicz. Enquanto quase todos seus amigos morreram, ela sobreviveu ao gueto e a um período posterior em um campo de concentração. Após a guerra, ela se mudou para Israel, casou, teve três filhos, sete netos e quatro bisnetos.
Foi uma vitória moral. Ninguém acreditava que os judeus iriam reagir
Havi Dreifuss
Na celebração do septuagésimo aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia, Aliza deve falar em nome das vítimas do Holocausto na cerimônia oficial que marca o dia anual de recordação do Holocausto em Israel.
"É um dia de profunda tristeza para mim, porque eu me lembro de todos os meus amigos no movimento (de resistência) que deram suas vidas", diz a sobrevivente. "Mas também foi um maravilhoso ato de sacrifício daqueles que deram suas vidas sem ao menos tentar salvar a si mesmos. O objetivo era mostrar que nós não iríamos cair sem responder".
Seis milhões de judeus foram mortos por nazistas alemães e colaboradores durante o Holocausto, o que representa a eliminação de um terço de todos os judeus do mundo à época.
Imagem de 1943 mostra soldados nazistas alemães questionando judeus após o levante do Gueto de Varsóvia
O Levante do Gueto de Varsóvia, na Polônia, em 1943, foi a primeira revolta em larga escala na Europa contra a Alemanha nazista e o maior ato de resistência judaica durante o Holocausto. Apesar de a vitória nunca ter sido uma possibilidade, o levante se tornou um símbolo da luta contra condições impossíveis, ilustrou a recusa a sucumbir às atrocidades do nazismo e inspirou outros atos de rebelião de resistência marginal de judeus e de outros povos.
Enquanto o Dia Internacional para Recordar o Holocausto é lembrado no dia 27 de janeiro, data da libertação do campo de concentração de Auschwitz, a data israelense coincide com o dia no calendário hebraico do Levante de Varsóvia, o que ressalta o papel que a ação tem na psique do país. O próprio nome oficial da data - Dia para Recordar o Holocausto e o Heroísmo - faz alusão à imagem do judeu guerreiro sobre a qual o Estado de Israel foi fundado. A batalha em Varsóvia contrasta com a imagem de judeus humildemente marchando para a morte certa.
Aliza exibe um certificado seu de 1943
Israel tem lutado para lidar com estas imagens contrastantes por décadas. Após o estabelecimento do Estado em 1948, apenas três anos após o fim da guerra, os israelenses preferiram enfatizar a heroica resistência, apesar de o número de combatentes ter sido relativamente pequeno em comparação às vítimas dos campos de concentração.
Antes da guerra, Varsóvia tinha uma vibrante comunidade judaica, que representava um terço da população da cidade. Os nazistas construíram o Gueto de Varsóvia em 1940, um ano após ocuparem a Polônia, e começaram a levar os judeus para lá.
O gueto inicialmente abrigava 380 mil judeus espremidos em pequenos espaços e diminutas moradias. Em seu auge, o gueto chegou a ter cerca de meio milhão de judeus, diz Havi Dreifuss, pesquisador do memorial do Holocausto Yad Vashem. A vida no gueto incluía batidas surpresas, confiscos e abduções por soldados nazistas. Os níveis de doenças e fome eram alarmantes. Com frequência, corpos eram vistos nas ruas.
O movimento de resistência começou a crescer com a deportação de 22 de julho de 1942, quando 265 mil homens, mulheres e crianças foram transportados e posteriormente mortos no campo de extermínio de Treblinka. Com a notícia do genocídio nazista a se espalhar, aqueles que permaneceram deixaram de acreditar nas promessas alemãs de que seriam enviados para campos de trabalhos forçados.
Aliza exibe objetos pessoais que guardou da época em que viveu no Gueto de Varsóvia
Um pequeno grupo de rebeldes começou a espalhar chamados para a resistência, levando a cabo atos isolados de sabotagem e ataques. Alguns judeus começaram a desafiar ordens alemãs de se apresentarem para deportação.
Os nazistas entraram no gueto em 19 de abril de 1943, véspera de Páscoa judaica. Três dias depois, atearam fogo ao gueto, o transformando em uma inflamada armadilha mortal, mas os combatentes judeus continuaram resistindo por quase um mês.
Os guerrilheiros judeus, que se fortificaram em bunkers e esconderijos, conseguiram matar 16 nazistas e ferir quase 100, diz Dreifuss. No fim, eles acabaram brutalmente exterminados. Anielewicz e seus companheiros morreram em um bunker no número 18 da rua Mila, que mais tarde viria ser o título de um romance escrito por Leon Uris (Mila 18) em que os eventos foram ficcionalizados.
"Foi uma vitória moral. Ninguém acreditava que os judeus iriam reagir", diz Dreifuss. "É incrível que após três anos de ocupação nazista, fome e doenças, essas pessoas encontraram forças para desobedecer a ordens nazistas, se erguer e lutar".
Anielewicz, que então era um jovem na casa dos 20 anos, se tornou herói nacional em Israel, com um vilarejo e múltiplas ruas ao redor do país nomeadas em sua homenagem. Aliza se lembra bem dele. Ela diz que ele era um alto e carismático líder de uma geração de jovens que se recusava a se submeter quietamente aos nazistas como seus pais tinham feito. "A sua teoria era, 'não se acostume ao que está acontecendo. Não aceite'", ela diz. "Os nazistas queriam nos tornar escravos, e ele dizia que apenas pessoas livres poderiam resistir".
Aliza exibe uma foto sua de quanto tinha 17 anos
A abordagem colocou Aliza em desacordo com seus pais, que se opunham a ideia de ela se unir ao movimento jovem. Com frequência, ela desafiava o toque de recolher nazista e retornava para casa apenas de manhã. A sobrevivente conta que escapou por pouco de oficiais da S.S, a unidade paramilitar do regime nazista, enquanto postava cartazes convocando judeus para resistir ou escapar.
Ela conta que a parte mais difícil foi fugir antes do início do levante, quando se uniu à sua mãe e irmã mais nova em um esconderijo no lado não judeu da cidade. Aliza diz lembrar do céu vermelho acima do gueto em chamas, onde seus amigos travavam uma guerra.
"Se fosse por mim, eu teria ficado e lutado até a morte com eles. Eu não tinha medo", diz. "O levante representava o orgulho judeu. Era nós dizendo: 'nós não vamos morrer do jeito que vocês querem. Nós vamos morrer do jeito que nós queremos, como pessoas livres'".
Se fosse por mim, eu teria ficado e lutado até a morte com eles
Aliza Vitis-Shomron
Aliza posteriormente foi capturada junta com sua mãe e irmã e enviada para o campo de concentração de Bergen-Belsen. As três sobreviveram e, eventualmente, conseguiram chegar a Israel. O pai dela foi deportado do gueto e morto em um campo de extermínio.
Hoje, Aliza faz trabalho voluntário para o memorial Yad Vashem, coletando páginas de testemunhos de colegas sobreviventes que ajudam a construir o depositório de nomes de vítimas do museu.
Apesar do passado, ela diz que nunca experimentou o dano psicológico que afetou outros sobreviventes. "Eu nunca me vi como uma vítima. Eu estava no lado ativo, no lado da resistência", ela diz. "Me ajudou a lidar".
Decimo primeiro mandamento: Não esqueceras