A História de Shabat
Consertando uma Sola Gasta
Alguns anos
atrás, em Flatbush, Nova York, um senhor de fala suave, que sempre sentava
no fundo da sinagoga, disse ao seu rabino que desejava doar um 'Sefer Toráh'
para a Sinagoga. O senhor, Shimshon Blau (nome fictício), falou
ao Rabino que contratara um escriba para escrever um 'Sêfer Toráh'
para ele e que agora o trabalho estava quase completo.
O Rabino ficou
incrédulo. O Sr. Blau não era uma pessoa de muitas posses e o custo de um
'Sêfer Toráh' novo poderia chegar a mais de trinta mil dólares.
O Rabino
entrou em contato com o escriba e constatou que o senhor Blau
realmente tinha pago pequenas somas em dinheiro durante os últimos
anos para a confecção de um Sêfer Toráh. Recentemente, ele tinha feito o último
pagamento. O 'Sêfer Toráh' seria concluído em poucos dias.
No Shabat, o
rabino anunciou as boas notícias para a congregação. Todos se dirigiram ao Sr.
Blau para desejar mazal tov e agradecer pela generosa dádiva à sinagoga.
Planos foram feitos
para a “Hachnassat Sêfer Toráh” - a festa em comemoração pelo recebimento dos
novos rolos da Toráh.
Algumas
semanas depois, num domingo ensolarado, a comunidade se reuniu na casa do
Sr.Blau. Todos o acompanharam quando ele carregou o Sêfer Toráh pela
rua até a sinagoga. Ele ia andando embaixo de uma chupá, enquanto os demais
presentes cantavam e dançavam ao seu redor. Uma refeição especial foi oferecida
na sinagoga em honra à ocasião.
Alguns dias
depois, o rabino perguntou ao Sr. Blau se havia alguma razão em particular
para ele ter oferecido o Sêfer Toráh.
No início ele
ficou hesitante em falar, mas acabou consentindo em contar essa história de
tirar o fôlego, porque era melhor contar sua história e ver se agora conseguiria
passar as noites dormindo, pois fazia 52 anos que ele não dormia uma noite
completa!
E contou sua
história:
“Shimshon Blau tinha apenas 16 anos
quando os nazistas o levaram, com seus pais e sua irmã, de Lodz, sua cidade
na Polônia, para um campo de concentração. Pouco depois de sua chegada,
foi separado da família e nunca mais ouviu falar deles.
Shimshon foi colocado em um barracão de
trabalho escravo. Ele sofria humilhações diariamente. Certa noite, quando
estava deitado, um soldado nazista entrou no alojamento para checar os prisioneiros.
Ele foi andando de cama em
cama. De repente, olhou para os pés de Shimshon, viu suas
botas de couro e gritou: "Estas botas agora são minhas.”
Shimshon ficou chocado. As botas tinham
sido dadas por seus pais pouco antes da família ser capturada pelos nazistas.
Era sua última conexão com eles, pois não possuía retratos, cartas... Nenhuma
memória que pudesse guardar para um momento particular, para lhe dar
forças. As botas se tornaram uma preciosa lembrança da sua família. Ele gritou
incontrolavelmente. O cruel ato nazista foi a lâmina que cortou o último laço
com seus pais. Ele chorou por horas e acabou dormindo. Na manhã seguinte, saiu
do alojamento descalço e encontrou o soldado que tinha roubado suas botas.
Desesperado, correu para o soldado e implorou:
- Por favor, dê-me um par de
sapatos. Eu não tenho nada para calçar e vou congelar até a morte....
Para sua surpresa o soldado
respondeu:
- Espere aqui que voltarei em 5 minutos
com sapatos para você.
Shimshon tremia de frio, enquanto
esperava. Em alguns minutos, o nazista voltou com um par de sapatos e o
entregou para o surpreso, mas agradecido adolescente, que voltou para a
sua barraca e sentou na cama para colocar seus novos sapatos. Eram
feitos de madeira, como tamancos. Ele sabia que teria que usá-los, independente
de como tinham sido feitos ou quão desconfortáveis fossem.
Quando estava prestes a colocar seus pés
dentro dos sapatos, olhou dentro e engoliu seco. O interior era feito com
um pedaço de pergaminho de um Sêfer Toráh.
Shimshon congelou de terror e pensou em
como os nazistas podiam ser tão cruéis! Como ele poderia pisar nas palavras que
D'us ditou para Moshé escrever para todas as gerações? Mas
infelizmente não tinha escolha, não possuía nada mais para calçar. Ou ele
calçava aqueles sapatos ou seus pés congelariam e ele morreria. Hesitante e sentindo-se culpado, ele os
calçou.”
Agora, anos depois, Shimshon
contou:
- Cada passo que eu dava, sentia como se estivesse
pisando num Sefêr Toráh de D'us. E eu jurei que, se um dia saísse vivo do campo
não importando se ficasse rico ou pobre, eu teria um Sêfer Toráh e devolveria
a D'us a honra que eu tomara dele pisando na sua Toráh. Foi por isso que
doei este Sêfer Toráh para a sinagoga.
********
Em sua
sinceridade, Shimshon sentia que estava pisando na Toráh de D'us. Quem pode culpá-lo?
Mas e nós? Nós
devemos nos perguntar:
“Será que de alguma
maneira, nós também não pisamos na Toráh de D’us”?
Será que, sem
querer e ás vezes mesmo querendo, nós não violamos preceitos básicos da Toráh -
o que é, na essência, pisar nas suas
palavras?"
Shimshon
Blau com certeza retificou o seu ato e nós devemos tentar almejar o mesmo!
Fonte: "Healing a Trampled Sole" no livro "Reflexions of
the Maggid"