segunda-feira, outubro 15, 2018

Consertando uma Sola Gasta


Consertando uma Sola Gasta

Alguns anos atrás, em Flatbush, Nova York, um senhor de fala suave, que sempre sentava no fundo da sinagoga, disse ao seu rabino que desejava doar um 'Sefer Toráh' para a Sinagoga.  O senhor, Shimshon Blau (nome fictício), falou ao Rabino que contratara um escriba  para escrever  um 'Sêfer Toráh' para ele e que agora o trabalho estava quase completo.
 O Rabino ficou incrédulo. O Sr. Blau não era uma pessoa de muitas posses e o custo de um 'Sêfer Toráh' novo poderia chegar a mais de trinta mil dólares.
O Rabino entrou em contato com o escriba e constatou que o senhor Blau realmente tinha pago pequenas somas em dinheiro durante os últimos anos para a confecção de um Sêfer Toráh. Recentemente, ele tinha feito o último pagamento. O 'Sêfer Toráh' seria concluído em poucos dias.
No Shabat, o rabino anunciou as boas notícias para a congregação. Todos se dirigiram ao Sr. Blau para desejar mazal tov e agradecer pela generosa dádiva à sinagoga.
 Planos foram feitos para a “Hachnassat Sêfer Toráh” - a festa em comemoração pelo recebimento dos novos rolos da Toráh.
 Algumas semanas depois, num domingo ensolarado, a comunidade se reuniu na casa do Sr.Blau. Todos o acompanharam quando ele carregou o Sêfer Toráh pela rua até a sinagoga. Ele ia andando embaixo de uma chupá, enquanto os demais presentes cantavam e dançavam ao seu redor. Uma refeição especial foi oferecida na sinagoga em honra à ocasião.
  
Alguns dias depois, o rabino perguntou ao Sr. Blau se havia alguma razão em particular para ele ter oferecido o Sêfer Toráh.
 No início ele ficou hesitante em falar, mas acabou consentindo em contar essa história de tirar o fôlego, porque era melhor contar sua história e ver se agora conseguiria passar as noites dormindo, pois fazia 52 anos que ele não dormia uma noite completa!

E contou sua história:

Shimshon Blau tinha apenas 16 anos quando os nazistas o levaram, com seus pais e sua irmã, de Lodz, sua cidade na Polônia, para um campo de concentração. Pouco depois de sua chegada, foi separado da família e nunca mais ouviu falar deles. 
Shimshon foi colocado em um barracão de trabalho escravo. Ele sofria humilhações diariamente. Certa noite, quando estava deitado, um soldado nazista entrou no alojamento para checar os prisioneiros. Ele foi andando de cama em cama. De repente, olhou para os pés de Shimshon, viu suas botas de couro e gritou: "Estas botas agora são minhas.”
Shimshon ficou chocado. As botas tinham sido dadas por seus pais pouco antes da família ser capturada pelos nazistas. Era sua última conexão com eles, pois não possuía retratos, cartas... Nenhuma memória que pudesse guardar para um momento particular, para lhe dar forças. As botas se tornaram uma preciosa lembrança da sua família. Ele gritou incontrolavelmente. O cruel ato nazista foi a lâmina que cortou o último laço com seus pais. Ele chorou por horas e acabou dormindo. Na manhã seguinte, saiu do alojamento descalço e encontrou o soldado que tinha roubado suas botas. Desesperado, correu para o soldado e implorou:

 -  Por favor, dê-me um par de sapatos. Eu não tenho nada para calçar e vou congelar até a morte....
Para sua surpresa o soldado  respondeu:
- Espere aqui que voltarei em 5 minutos com sapatos para você. 
Shimshon tremia de frio, enquanto esperava. Em alguns minutos, o nazista voltou com um par de sapatos e o entregou para o surpreso, mas agradecido adolescente, que voltou para a sua barraca e sentou na cama para colocar seus novos sapatos. Eram feitos de madeira, como tamancos. Ele sabia que teria que usá-los, independente de como tinham sido feitos ou quão desconfortáveis fossem.
Quando estava prestes a colocar seus pés dentro dos sapatos, olhou dentro  e engoliu seco. O interior era feito com um pedaço de pergaminho de um Sêfer Toráh.
Shimshon congelou de terror e pensou em como os nazistas podiam ser tão cruéis! Como ele poderia pisar nas palavras que D'us ditou  para Moshé escrever para todas as gerações? Mas infelizmente não tinha escolha, não possuía nada mais para calçar. Ou ele calçava aqueles sapatos ou seus pés congelariam e ele morreria.  Hesitante e sentindo-se culpado, ele os calçou.   Agora, anos depois, Shimshon contou:
- Cada passo que eu dava, sentia como se estivesse pisando num Sefêr Toráh de D'us. E eu jurei que, se um dia saísse vivo do campo não importando se ficasse rico ou pobre, eu teria um Sêfer Toráh e devolveria a D'us a honra que eu tomara dele pisando na sua Toráh. Foi por isso que doei este Sêfer Toráh para a sinagoga. 
                                                                                                             
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Em sua sinceridade, Shimshon sentia que estava pisando na Toráh de D'us. Quem pode culpá-lo?
Mas e nós? Nós devemos nos perguntar:
“Será que de alguma maneira, nós também não pisamos na Toráh de D’us”? 
Será que, sem querer e às vezes mesmo querendo, nós não violamos preceitos básicos da Toráh - o que é, na essência, pisar nas suas palavras?"
Shimshon Blau com certeza retificou o seu ato e nós devemos tentar almejar o mesmo!    

 Fonte: "Healing a Trampled Sole" no livro "Reflexions of the Maggid"