sábado, março 19, 2011

O DNA Espiritual do Ser Humano

Silêncio No Tribunal

tsj-p

O silêncio reinou no tribunal enquanto o juiz entrava. No ambiente abafado todos se levantaram. Era o último julgamento de um dia cheio e até mesmo o juiz parecia cansado. O réu, um homem rude aparentando cerca de quarenta anos, permaneceu no banco de cabeça baixa.

Ia ser um julgamento difícil, pensou o advogado de defesa. Seria um julgamento simples, sem presença de um júri popular sendo que o veredicto dependeria exclusivamente do juiz e de seus assistentes.

O advogado era um homem ainda jovem, fazia pouco havia se especializado em direito criminal e havia sido designado para defender o homem sentado no banco dos réus. O réu em questão era uma pessoa de poucas posses e não podia pagar por um advogado particular. Era um de seus primeiros julgamentos como advogado principal e com certeza o mais difícil.

Josemir Pereira, 42 anos, casado, com três filhos, branco, metalúrgico atualmente desempregado. No dia 13, terça-feira, no auge de uma discussão com a esposa, pegou uma tesoura de costura e apunhalou a mulher cinco vezes seguidas. A esposa já chegou morta no hospital. A história toda parecia mais como uma notícia de algum jornal popular e sensacionalista.

Vários vizinhos haviam ouvido a briga do casal e os gritos da mulher. Um deles chegou mesmo a dizer que havia visto toda a cena pela janela de sua casa. Realmente parecia um caso sem esperanças. É claro que ele, como advogado, sabia que estava fora de cogitação que o seu cliente saísse de lá totalmente absolvido, mas era sua obrigação pelo menos tentar atenuar a pena do homem. Além do mais era importante para sua carreira sair-se bem nesse julgamento, afinal justamente nos casos aparentemente impossíveis que se punha a prova os grandes advogados.

O promotor começou a chamar suas testemunhas e esmiuçar o caso. O advogado de defesa percebeu que o promotor estava extremamente tranqüilo e... satisfeito. É claro, afinal este caso é para ele um prato cheio. O promotor continuou seu interrogatório e logo o quadro da personalidade estourada e nervosa do réu foi sendo confirmada.

O advogado de defesa fez o melhor que pôde. Conseguiu que algumas testemunhas caíssem em contradição, ressaltou as poucas virtudes do réu e tentou até mesmo sensibilizar o juiz com o fato de que, com a prisão do pai, as crianças seriam obrigadas a ir para um orfanato. Tudo em vão. Logo o advogado percebeu que o promotor havia feito um ótimo trabalho e se o réu não fosse condenado a prisão perpétua pelo menos chegaria bem perto disto.

Enquanto o promotor fazia suas considerações finais uma idéia brotou na cabeça do advogado de defesa e foi crescendo. Algo que nunca alguém havia tentado antes. Era arriscado e singular, mas podia dar certo. Afinal não havia mais nada a perder. O advogado de defesa mal ouviu as últimas palavras do promotor enquanto pensava no que iria falar. Depois de alguns minutos concentrado percebeu que chegara sua vez de fazer as considerações finais:

– Meritíssimo, começou o jovem advogado, gostaria de lhe fazer uma pergunta: O senhor acredita em D’us?

O juiz, pego de surpresa pela pergunta, demorou alguns instantes para responder:

– Não, mas o que isso tem a ver com o caso?

Sem prestar atenção ao juiz o advogado dirigiu-se a seus assistentes e fez a mesma pergunta. Esses mal puderam negar com as cabeças, tal sua incredulidade com a pergunta inusitada do advogado. Rapidamente o advogado virou-se para o promotor e fez a mesma pergunta. Antes que este pudesse responder irritado que não o juiz interrompeu-o nervoso:

– Ninguém aqui acredita em D’us ou em qualquer Força Mística Superior, portanto se você está tentando salvar o réu alegando qualquer tipo de justiça Divina, esqueça.

– Não é nada disso – respondeu o advogado – Permitam-me explicar. Foi apenas uma pergunta retórica, eu já imaginava que os senhores, como acadêmicos, não acreditassem em D’us. Eliminando-se a possibilidade de que um D’us, seja qual for, tenha criado o Universo e tudo que há nele, o que nos resta? Que o Universo foi criado por acaso. A teoria mais aceita é a de que uma grande explosão, não se sabe ainda originada pelo que, tenha formado o Universo, ou seja, as estrelas e todos os outros corpos cósmicos.

Seguindo ainda este raciocínio puramente científico, em torno de uma pequena estrela teria se formado o sistema solar. Em um dos planetas desse sistema condições únicas, também casuais, proporcionaram a oportunidade de ligações moleculares que formaram os diversos materiais desse planeta com por exemplo a água. Mais que isso, combinações moleculares teriam ainda formado o que chamamos de D.N.A, mais precisamente os seres vivos. Esses seres vivos teriam se reproduzido e evoluído de tal forma que por fim chegaram ao homem.

Eu sei que o que disse agora é apenas uma abreviação bastante fraca e simplória do que realmente teria acontecido, porém isso é o bastante para o ponto onde quero chegar. Eis que o homem em toda complexidade de seu ser, toda profundidade de seu pensamento, personalidade, sentimentos e emoções não passa de uma fantástica combinação de átomos, matéria pura e simples.

Cientificamente falando aquilo a que chamamos de "alma" ou "espírito" não existe. O sopro da vida é na verdade uma coincidência da natureza. Os pensamentos do homem são puros impulsos elétricos. Esses mesmos impulsos elétricos desencadeiam também centenas de substâncias químicas que são a causa dos sentimentos e emoções humanos. O amor, o ódio, a raiva, a dor, o prazer, a alegria, a tristeza. A lógica, o discernimento, o entendimento, a imaginação, a sagacidade, a perspicácia, tudo se resume em impulsos elétricos desencadeados pelo cérebro. Seria mais próprio dizer que o cérebro sente e não o coração.

Simplificando ao máximo o ser humano ele é apenas uma combinação fantástica do D.N.A comum a todos os seres vivos. Apesar de basicamente igual em todos os seres vivos o D.N.A. difere em cada um. Estas diferenças do D.N.A são, a grosso modo, o que faz a diferença entre um homem e uma planta. É também o que faz um ser humano diferente do outro. Todas as características de uma pessoa, sua altura, cor da pele e dos olhos, forma do rosto, até mesmo algumas deficiências e doenças, tudo depende do seu D.N.A e já está definido desde a sua concepção.

É lógico, então, que se tudo é matéria não somente as características físicas se encontram no D.N.A., mas também as características psicológicas e mentais de cada ser humano. A inteligência, a criatividade, a genialidade. Não existe mérito em ser inteligente assim como não há culpa em ser burro. O mesmo ocorre com as virtudes e vícios humanos. A avareza ou a generosidade, a covardia ou a coragem, o orgulho ou a humildade, a maldade ou a bondade. Tudo está no D.N.A..

Temos de tudo isso que o homem muitas vezes não tem pleno controle de seus atos. O descontrole assim como o autocontrole são características de seu D.N.A. Recentemente os cientistas associaram à influência de um gene a homossexualidade de um indivíduo. Talvez exista da mesma forma um gene que predisponha certas pessoas ao roubo e até mesmo ao assassinato.

Levando tudo isso em consideração, como podemos julgar e condenar um homem que tenha agido conforme sua natureza. Seria o mesmo que culpar alguém por ter olhos castanhos e não azuis. O fato de uma pessoa não se enquadrar nos padrões da sociedade certamente não é motivo suficiente para enforcá-lo ou enjaulá-lo.

O advogado de defesa parou de falar e levou um copo de água aos lábios. Neste momento um longo murmúrio correu pelo salão. O que estava sendo questionado aqui não era simplesmente o julgamento de um homem, mas sim todo o sistema penal, toda a sociedade. Até mesmo o promotor parecia aturdido. O advogado acabou a água e continuou:

Portanto meritíssimo eu peço que o réu seja tratado, no máximo como um doente que merece cuidados especiais e não como um criminoso. O tribunal permaneceu em silêncio por alguns instantes. Depois do que pareceu uma eternidade o juiz bateu o martelo e disse:

É lógico que novas circunstâncias apareceram neste caso. Esse julgamento será suspenso por duas semanas até que tudo possa ser devidamente apurado.

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Segundo o judaísmo, o homem é julgado por sua escolha, já que lhe foi concedido o livre arbítrio.

Seu comportamento é influenciado pelo meio e pelas circunstâncias, mas, apesar disso, sempre tem condições de optar pelo caminho de os valores que D’us nos ofereceu, poder fazer o bem, ser humildes, ser temerosos do Criador, ser respeitosos pelo próximo, e principalmente poder fazer o bem, não se importando com o que dirão e sem com o beneficio que se obtêm dos outros.

No Judaísmo encontrarmos isto na Toráh, nos ensinamentos de Moises, que também podem refletir em aqueles que são temerosos e amantes da força extraordinária que parte do Criador.