sexta-feira, outubro 28, 2016

Tudo foi criado em Meu Nome



Haftará de Bereshit
(Isaías 42:5-43:10)
 Tudo foi criado em Meu Nome

a) Riqueza guardada

A Parashat Bereshit é muito rica de temas. Ela abarca várias centenas de anos e todos os seus temas se relacionam a princípios: a criação do mundo e a criação do homem; o status do homem; seu pecado e expulsão; o pecado de Caim e sua punição; as primeiras gerações; o “arrependimento” divino pela Criação, etc. Haverá em todos os textos de profecia um capítulo que complemente toda a abundância temática existente na parashá?
Quase todas as comunidades judaicas adotaram a profecia de Isaías e lêem o capítulo 42[1] (há diferenças entre as comunidades quanto ao versículo inicial ou final da Haftará[2]). Examinemos algumas das idéias e mensagens contidas na profecia e sua conexão à parashá.

b) Afirmação constante

Já no início a profecia se refere a D’us com o Criador de tudo: “Assim diz D’us, o Eterno, que criou os céus e os estendeu[3]; que expandiu a terra e o que dela procede[4] …” (Isaías 42:5).
Ora, isso é uma clara reminiscência às primeiras palavras da Torá: “No princípio criou D’us os céus e a terra”.
Porém, enquanto a Torá descreve o acontecimento no passado: ‘No princípio D’us criou’, a profecia usa o verbo no presente: D’us cria. Isto significa cria a todo momento, conforme dizemos na prece matinal: “Ele, na sua bondade, todos os dias, constantemente, renova a obra da Criação”.
Evidentemente, só um Criador que está criando constantemente pode estar envolvido o tempo todo em sua criação; assim, encontramos no prosseguimento da profecia: “Montes e outeiros devastarei e secarei toda sua erva … e secarei os lagos” (42:15). Disso deriva também a possibilidade de arrependimento, assim como de tomada de decisão, que encontramos no final da parashá: “Farei desaparecer o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até o quadrúpede, até o réptil e até a ave dos céus…” (Gênesis 6:7). Se a Criação é dinâmica e constante, é possível ocorrerem comoções e mudanças.
Porém, na determinação das comoções e das mudanças, o Todo Poderoso já tem uma espécie de ‘associado’, o homem. Os atos do homem foram decisivos na decisão sobre seu próprio destino e o destino do mundo.

c) O mundo, o homem e o povo

O auge da Criação é o homem. Foi criado por último, e encontrou tudo pronto diante de si; sua alma foi talhada de fonte superior, e foi criado à imagem e segundo a semelhança de D’us; o Criador lhe falou, apontando-lhe a missão e o caminho: “Frutificai e multiplicai, e enchei a terra e subjugai-a …” (1:28). A Haftará, porém, não fala do homem[5], refere-se ao povo: “dá fôlego de vida ao povo que está sobre ela e espírito de santidade aos que andam pelo seu caminho” (42:5). Este mesmo povo fez uma Aliança com o Criador: “o Meu povo à aliança, e para a luz, os gentios” (6), e sua missão é: “abrir os olhos aos cegos e tirar da prisão os presos …” (7).
Esta combinação de início da Criação e de entrega da alma ao povo constitui-se num reforço da interpretação de Rashi em sua hexegese de Gênesis: “No princípio” – por causa da Torá, que é chamada o princípio (reshit) … e por causa do Povo de Israel que é chamado as primícias (reshit).  A palavra “por causa de” (bishvil) não expressa sentimentos de superioridade e singularidade no mundo, como se apenas o Povo de Israel tivesse realmente o direito à existência, mas sim parece-se com o que está escrito na Mishnat Sanhedrin: “Por isso, cada um é obrigado a dizer por minha causa o mundo foi criado”. O Rabino Nachman de Braslev acrescenta: “Eu tenho a responsabilidade de trabalhar por sua perfeição”. Não se trata de uma superioridade que vem exigir privilégios especiais, mas sim expressa o tamanho da responsabilidade e da missão: o destino de todos os povos do mundo pesa sobre os ombros deste povo.
Nesta mesma profecia encontra-se uma afirmação que elimina qualquer possibilidade de encarar uma ou parte das criaturas como sendo a meta de toda a Criação; cada uma das criaturas teve sua própria razão de ser criada: “Todos os que são chamados pelo Meu nome, e os que criei para Minha glória, e que formei e fiz (43:7).
Dessa passagem Maimônides[6] concluiu que cada um dos componentes da Criação tem seu objetivo em si mesmo. E a glória de D’us deve ser cantada de uma ponta da Terra à outra: “Cantai ao Eterno, um cântico novo, e o seu louvor desde a extremidade da Terra … pelo mar e por tudo quanto há nele … Dêem glória ao Eterno e anunciem nas ilhas o seu louvor” (42:10-12).

d) O exílio e a redenção

Tanto o indivíduo, na parashá, quanto o povo, na haftará, são punidos com o exílio. O homem é expulso do Jardim do Éden por causa de seu pecado, e o povo é expulso de sua terra: “Mas este é um povo roubado e esmagado … foram postos como presa, e ninguém há que os livre …” (42:22). E o profeta explica por que ocorreu todo esse mal: “Quem entregou Jacob para ser esmagado … acaso não foi o Eterno, Aquele contra quem temos pecado … não dando ouvidos à Sua Lei?” (24).
Porém, se na parashá o homem permanece no exílio, e não retorna ao Jardim do Éden, a profecia fala de retorno e redenção: “Trarei do oriente a tua descendência, e te ajuntarei desde o ocidente. Direi ao norte: entrega os cativos, e ao sul: não os retenhas, traze de longe Meus filhos …” (43:5-6).
Talvez a ligação entre a parashá e a haftará contenha um indício de que a redenção do Povo de Israel encerrará o círculo vicioso das erranças do primeiro homem e de toda a humanidade, e a descendência de Adão retornará ao lugar sonhado, ao Jardim do Éden[7].
Na verdade, a própria existência do ato da Criação tornou possível que ele se pareça como a visão da redenção. Pois o profeta descreve: “E te darei o poder para trazeres o Meu povo à Aliança, e para a luz, os gentios … e de tirares da prisão os presos e do cárcere os que habitam nas trevas” (42:6-7). Segundo a descrição do Livro do Gênesis, o mundo, antes de existir, estava envolto nas trevas: “e (havia) escuridão sobre a face do abismo” – até que se ouviu o anúncio da criação e da redenção: “Seja luz”.
A justaposição da profecia à descrição da Criação, significa talvez que a redenção é comparável ao ato da Criação, é como a criação da luz pela primeira vez[8].
Na haftará encontra-se o anúncio da redenção de um outro pecado inicial. A parashá conta-nos que no tempo de Enosh “começou-se a invocar o nome do Eterno” (4:26).
Rashi, citando o Midrash (Bereshit Rabá 23:7) explica: “Naquele tempo começaram a chamar homens e imagens pelo nome do Todo Poderoso, praticando a idolatria e chamando-as (as imagens) de divindades” – ora, isto é o início do paganismo no mundo[9]. E o profeta prevê: “Tornados atrás e cobertos de vergonha ficarão os que confiam em imagens esculpidas, e os que às imagens de fundição dizem: Vós sois os nossos deuses” (42:17).

e) O testemunho de D’us é fiel

Há dois costumes relativos ao tamanho da haftará: o dos sefaraditas, que concluem no versículo 42:21e o dos ashkenazitas, que lêem até 43:10. Há duas mensagens importantes nos respectivos versículos de conclusão.
Segundo o costume sefaradita, o último versículo lido é: “Foi do agrado do Eterno, por amor da Sua justiça, engrandecer a Lei e torná-la gloriosa” (42:21); é como um lembrete da exegese mencionada acima: “No princípio” – por causa da Torá, que é chamada o princípio (reshit)”. O mundo foi criado por causa da Torá, o eterno testemunho de D’us como Criador.
Segundo o costume ashkenazita, termina-se com o versículo que fala de outras testemunhas: “Vós sois as minhas testemunhas, diz o Eterno …” (43:10). Toda a criação é testemunha do Criador, mas o Povo de Israel é o único consciente dessa missão, a de serem testemunhas fiéis “que Eu sou; antes de Mim não se formou nenhum D’us, e depois de Mim nenhum haverá” (ib.). E aqui temos a relação com a outra exegese de Rashi: “por causa do Povo de Israel, que é chamado as primícias (reshit) de Sua colheita”.


SHABAT SHALOM!

 


[1] Com exceção do costume das comunidades rumenas, que lêem a profecia do final do Livro de Isaías, que se inicia com o versículo: “Pois eis que Eu crio novos céus e nova terra …” (65:17)
[2] Os iemenitas lêem desde o início do capítulo 42; os sefaraditas terminam no versículo 21.
[3] Interessante que na parashá a expansão (rakia) é chamada de céu (shamaim), enquanto que aqui se diz: “expandiu a terra” (roka haaretz). De modo semelhante vemos também: “Sozinho estendi os céus e sozinho expandi a terra” (Notê shamaim levadi, roka haaretz meiti) (44:24); e também em Salmos “Àquele que expandiu a terra (laroká haaretz) sobre as águas” (136:6)
[4] É possível que a expressão “os céus e os estendeu; que expandiu a terra e o que dela procede” confirme a exegese de Nachmânides de que já no início D’us criou a matéria amorfa da qual foram feitos o céu e os astros, e a matéria amorfa terrena, da qual tudo que há sobre a terra foi criado. Ele cita um midrash que aponta para esse sentido: “‘o céu’ – inclusive o sol, a lua, as estrelas e os signos do zodíaco, ‘e a terra’ – inclusive as árvores, a grama e o Jardim de Éden” (Bereshit Rabá 1:19).
[5] Segundo o costume dos iemenitas, encontraremos também alusão ao homem individual: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o Meu escolhido, em quem a Minha alma se compraz” (42:1). Este homem individual é o homem superior, o Rei Messias (Radak, ib.), sobre o qual, como sobre o primeiro homem, paira o Espírito Divino, e que, também como o primeiro homem, encerra em sua personalidade toda a humanidade
[6] Guia dos Perplexos, Parte III, 13 (leia com atenção)
[7] Como uma espécie de lembrete do castigo recebido pelo homem no Gênesis, há versículos na haftará tais como: “Agora darei gritos como a que está de parto, e os farei desertar e os tragarei ao mesmo tempo” (42:14). Isto é como um eco da maldição do Gênesis: “Com dor, darás à luz, filhos” (3:16). Quando o homem e a mulher comeram da árvore do conhecimento do bem e do mal, abriram-se seus olhos; mas, na verdade, tornaram-se cegos do conhecimento da verdade e da mentira (veja O Guia dos Perplexos 1b. O profeta refere-se aos cegos e surdos (42:16-20), e ainda antes: “A fim de abrir os olhos cegos” (42:7).
[8] Veja em Isaías, no prosseguimento: “Pois eis que Eu crio novos céus e novas terras …” (65:17).
[9] Veja também Maimônides, início das leis de Avodá Zará

quinta-feira, outubro 13, 2016

Sucot e a Paz



A Importância da Paz


“Que Ama a Paz e Persegue a Paz”

No Pirkê Avot consta que Aharon Hacohen “ama a paz e persegue a paz, ama as criaturas e as aproxima da Toráh”. Ele se transformou em um símbolo de amor à paz e aos outros e, por causa disso, conseguiu aproximar muitos membros de Israel da Toráh.
Também as “Ananê Hacavod” (Nuvens de Glória), que cercavam o acampamento de Israel no deserto, vieram por mérito de Aharon, conforme foi mencionado por nossos sábios em diversos lugares. Ao analisarmos o assunto, percebemos que também estas nuvens estavam ligadas à paz.
As nuvens delimitavam e protegiam o Povo de qualquer prejuízo, assim como a paz possui estas mesmas capacidades de ação espirituais. Ela permite que as pessoas morem juntas, adoça suas vidas e protege-as de qualquer desgraça e sofrimento que possam ocorrer quando ela está em falta.
“Não encontrou, o Eterno, um utensílio que contivesse a bênção, para Israel, exceto a paz” (fim da Mishná, no Tratado de Uketsin). Assim como a discussão causa afastamento e destrói tudo, a paz age de modo inverso, juntando e ligando e, onde ela existir, encontraremos também a bênção.

A Verdadeira Paz

Hoje em dia é muito comum ouvir-se falar sobre a “paz” – entre países, entre partidos, entre grupos. Escuta-se isso frequentemente e é possível se enganar – pensando que a paz a qual nossos sábios se referem é a mesma da qual tratam diversas nações – enquanto existe, na verdade, uma diferença colossal entre elas.
A paz entre os povos e entre partidos políticos, por exemplo, não decorre do amor à própria paz e do amor às criaturas. Cada nação “ama” apenas a si própria e procura apenas o seu próprio bem. Acontece que, em determinadas situações, para o seu próprio bem, é indicado que não haja discussões e guerras com as nações vizinhas e, portanto, elas preferem optar por implementar tratados e acordos de “paz”.
Quando nossos sábios se referem à paz, eles têm em mente algo inteiramente distinto. Trata-se de um conceito elevado e importante, que merece ser prezado e perseguido. A paz é uma situação espiritual que traz bênçãos e contém em si capacidades espirituais importantes.
A paz se origina da plenitude e das virtudes. Ela provém do fato de cada um olhar positivamente para o outro, sentindo que este não toma seu lugar e não o atrapalha. No futuro, reinará a paz entre todos os elementos da Criação. Mesmo os animais selvagens pastarão junto com os herbívoros de hoje. Entretanto, mesmo antes desta época maravilhosa é possível fazer com que a paz domine. Junto com ela, virá a grande bênção que sempre a segue.
Cada indivíduo pode contribuir para trazer a paz a seu redor, tanto em relação a seus amigos e conhecidos, quanto à sua família. Cada um deve esforçar-se por construir a verdadeira paz em seu lar, uma paz verdadeira que trará grandes bênçãos para toda a família. Às vezes, as pessoas se dirigem a pessoas de fora de sua família, tentando colaborar e fazer a paz entre elas, enquanto abandonam a paz do seu próprio lar. É necessário saber que a paz começa na casa do próprio indivíduo. Cada um deve esforçar-se para que sua casa esteja completa antes de se preocupar com o benefício de seus semelhantes.

Shabat Shalom VeChag Sameach