domingo, março 11, 2012

Obadiah de Bertinoro e as Dez tribos perdidas. Sambatyon

Obadiah Jare de Bertinoro

Cartas à família, 1488—1489

Mishnah-blog-1

Obadiah Jare de Bertinoro foi um dos mais notáveis rabinos italianos de sua época. Seus comentários da Mishná (coletânea de leis orais) permanecem como um padrão até os dias de hoje. As cartas que enviou à sua família, descrevendo as comunidades que visitou durante sua viagem à Terra Santa (1487--1490), foram preservadas e traduzidas em várias línguas.

Obadiah parece ter residido em Jerusalém até sua morte, por volta de 1500, e um viajante posterior relata que ele era um líder na comunidade judaica da Palestina.

A breve coletânea que se segue relata as notícias que ele recebeu referentes ao Sambatyon.

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A seu pai, Jerusalém, agosto de 1488

Fiz perguntas sobre o Sambatyon, e ouvi de uma pessoa, que um homem veio do reino de Preste João e relatou que lá há montanhas altas e vales que podem ser atravessados em uma viagem de dez dias e que, certamente, são habitados pelos descendentes de Israel.

Eles têm cinco príncipes ou reis e realizaram grandes guerras contra os joanitas por mais de um século, mas infelizmente os joanitas 1 venceram e Efraim foi derrotado. Os joanitas penetraram no país deles e a lembrança de Israel quase morreu naqueles lugares, pois foi publicado um édito contra aqueles que permaneceram, proibindo o exercício de seus deveres religiosos, tão severo quanto o de Antíoco, publicado no tempo dos hasmoneus. Mas D’us teve piedade.

Na Índia vieram a seguir outros reis, que não eram tão cruéis como seus predecessores. Diz-se que a glória anterior dos judeus está, em certa medida, restaurada; outra vez tornaram-se numerosos e, embora ainda paguem impostos aos joanitas, não estão inteiramente submetidos a eles. Quatro anos atrás, dizia-se, ainda guerreavam com seus vizinhos, quando saquearam os inimigos e fizeram muitos

prisioneiros. O inimigo, por outro lado, tomou alguns deles como prisioneiros e vendeu-os como escravos; alguns desses foram levados para o Cairo e resgatados pelos judeus de lá. Vi dois deles no Cairo; eram pretos (felashas), mas não tão escuros como os negros.

Foi impossível saber deles se pertenciam aos caraítas ou aos rabanitas...

Terminada às pressas em Jerusalém, a Cidade Sagrada. Que seja logo reconstruída nos nossos dias...

De seu filho Obadiah Jare

No oitavo dia de Elul de 5248

A seu irmão

Jerusalém, Setembro de 1489

Os judeus chegaram até aqui [à Terra Santa] vindos de Áden; Áden, diz-se, é o lugar onde está o Jardim do Éden; situa-se no sudeste da Etiópia, mas o mar Vermelho os separa. Esses judeus dizem que em seu país há grandes comunidades judaicas, que o rei é um árabe, muito bondoso com os judeus, e que o país é muito grande e belo,

onde se produzem frutas esplêndidas, de vários tipos, que não se encontram entre as nossas. Onde o Paraíso estava realmente situado, isto eles não sabem. Plantam no mês de Adar e colhem no mês de Kislev. A estação chuvosa vai de Pessach ao mês de Av. É conseqüência da grande quantidade de chuva o fato de o Nilo subir no mês de Av.

Seus habitantes são de algum modo negros. Os judeus não possuem os livros do Talmud... Todos eles são, de pequenos a grandes, versados nos trabalhos de Maimônides, pois se ocupam principalmente do estudo desse erudito.

Os judeus também nos contaram que agora todos sabem, por intermédio de mercadores da Arábia, que o rio Sambatyon fica a 50 dias de viagem de onde estão, pelo deserto, e como se fosse um fio, circunda toda a terra onde moram os descendentes de Israel. Esse rio despeja pedras e areia, e descansa apenas no Shabat, portanto nenhum judeu que estiver viajando pelo país provavelmente violará o

Shabat. É uma tradição entre eles os descendentes de Jacó (Iaacov) habitarem lá. O rio despeja pedras e areia, e descansa apenas no Shabat, portanto nenhum judeu pode cruzá-lo, pois dessa forma estaria violando o Shabat. É uma tradição entre eles que todos são descendentes de Moisés, todos puros e inocentes como os anjos, e ninguém que faz o mal está entre eles.

No outro lado do Sambatyon os Filhos de Israel são numerosos como os grãos de areia do mar, e há muitos príncipes e reis entre eles, mas não são tão puros e santos como aqueles que são circundados pelo rio. Os judeus de Áden relatam tudo isso com uma certa segurança, como se esses fatos fossem bem conhecidos, e ninguém nunca duvidou da verdade dessas afirmações.

Um velho rabino ashkenazi, que nasceu e foi educado aqui, conta-me que se lembra de que mesmo na sua juventude os judeus vinham de Áden, e narrou tudo literalmente como eles fazem. Os judeus de Áden também dizem que os israelitas que moram nas fronteiras de seu território, sobre os quais escrevi minha primeira carta, estão agora em guerra com o povo de Preste João (o abissínio) e que alguns deles foram capturados como prisioneiros e levados ao Cairo.

Vi alguns deles com meus próprios olhos; esses judeus estão distantes um mês de viagem no deserto dos outros que moram no Sambatyon.

Os cristãos que vieram do território dos joanitas relatam que os judeus lá, que estão em guerra com o povo de Preste João, têm sofrido grandes derrotas, e estamos bastante ansiosos para saber se essas narrativas são realmente verdadeiras. Que D’us os proteja.

Possa o Senhor proteger sempre seu povo e seus servidores!...

Enviado com pressa de Jerusalém,

27 de Elul de 5249

De seu irmão, Obadiah Jare

BIBLIOGRAFIA

Adler, E.N., Jewish Travellers (1966).

Marx, A., Sefer Ha-Shanah shel Eretz-Yisrael 2-3 (Heb., Yearbook of

the Land of Israel) (1920).

Sachs, S, in: Jahrbuch fuer die Gerschichte der Juden und des

Judenthums 3 (1863).

Shulvass, M.A., Roma vi-Yerushalaim (Heb.) (1944).