domingo, agosto 22, 2010

A música nas Sinagogas

A música nas Sinagogas
Os grandes músicos dos períodos barroco e clássico construíram parte de sua obra compondo música religiosa. As cantatas sacras de Bach e os oratórios de Haendel, sem falar no imenso legado de peças para órgão, são uma prova disso.

Entre os séculos XVII e XVIII, a música litúrgica (Chazzanut) executada nas principais sinagogas européias, sobretudo na Alemanha, começou a sofrer uma forte influência da música clássica. As famílias mais abastadas da sociedade judaica começaram a proporcionar a seus filhos, aulas de música e canto. As crianças passaram a se dedicar à música secular, deixando de cultivar a tradicional música judaica. No início do período romântico essa tendência aumentou e, com o passar do tempo, o efeito começou a se refletir no interior das sinagogas. Os cantores começaram a ser substituídos pelo órgão e outros instrumentos musicais e as melodias executadas durante as cerimônias começaram a se aproximar em estilo, aos hinos católicos e protestantes.

O movimento para preservar as tradições do Chazzanut teve início no século XIX, e um dos seus mentores foi o chazan austríaco, Salomon Sulzer. Ele afirmou: A música litúrgica pode manter as formas atuais, tão do agrado de nossa comunidade, mas sem sacrificar o estilo de nossa milenar tradição judaica. Com esse intuito, a maioria dos chazan* passou a compor música litúrgica. Sulzer introduziu o uso de corais nas sinagogas e tornou-se um músico respeitado por Schubert, Schumann e Liszt

O mais importante chazan/compositor foi Louis Lewandowski (1821-1894), primeiro judeu a estudar música na Academia de Artes de Berlim. Em 1884, a comunidade judaica da capital alemã o encarregou de organizar os cantos corais nas sinagogas e em 1864 ele assumiu a posição de líder do coral da nova Sinagoga de Berlim. Nessa época, Lewandowski escreveu dois livros de cantos litúrgicos, Kol Rinah, para duas vozes e Todah Vezimrah, para corais. Essas obras são utilizadas até hoje pelos principais chazan e líderes de corais. Além de música litúrgica, o compositor escreveu sinfonias, salmos cantatas e canções populares.

Em 1886, o governo alemão o distinguiu com o título de Diretor Real Musical. Entre suas mais populares composições se destacam Uvenucho Yomar e Zacharti Lach, para o Rosh Hashana e Ve’al Chata’im para o Yom Kippur.

O Kol Nidrei de Max Bruch: foi Moisés quem instituiu o dia sagrado do Yom Kippur, conforme o texto do Levítico (23:26), um dos cinco livros do Pentateuco. Pouco antes do anoitecer o chazan entoa a oração do Kol Nidrei, cuja melodia de intensa emoção e energia espiritual traduz o pináculo da liturgia do Yom Kippur.

Os compassos desta música cujas origens remontam ao século VIII serviram de inspiração para muitos compositores. Dezenas de arranjos para voz e piano, órgão e violino, arranjos para corais e pequenas orquestras foram criados por músicos judeus e cristãos. Assiste-se ao surgimento de um fenômeno inverso ao da secularização da música das sinagogas. É a influência do Chazzanut sobre a música clássica. A melodia do Kol Nidrei é facilmente reconhecida nos primeiros compassos do Quarteto nº 4 em dó menor (opus 18), de Ludwig van Beethoven.

O Adágio sobre Melodias Hebraicas para violoncelo e orquestra, opus 47, mais conhecido como Kol Nidrei, é de autoria de Max Bruch (1838-1920), compositor protestante nascido em Colônia. Através de seu amigo, o chazan Abraham Lichtenstein, Bruch foi conhecer as melodia judaicas, entre elas o Kol Nidrei e as Canções Hebraicas de Isaac Nathans, com letra do poeta Lord Byron.

A obra de Max Bruch foi obscurecida pela de Brahms, Mahler e Richard Strauss. Mesmo assim ele nos deixou música de excepcional qualidade como o Kol Nidrei, o Concerto nº 1 para violino e orquestra, opus 26 e a Fantasia Escocesa. Bruch foi dirigente da Sociedade Filarmônica de Liverpool, da Sociedade Filarmônica de Berlim e professor da Academia de Música.

O início do século XX assistiu o esplendor da música litúrgica judaica na Europa e nos Estados Unidos.Muitos cantores de sinagogas passaram a ser disputados a peso de ouro pelas grandes casas de ópera. Os grandes destaques foram Yossele Rosenblatt, Abraham Katz e Isaac Heymann. Rosenblatt foi um tenor excepcional, que recusou por motivos religiosos, inúmeros convites para se apresentar como solista de óperas famosas. Sua única participação perante o grande público foi no primeiro filme sonoro, The Jazz Singer, aonde ele faz uma curta aparição. A brutalidade da II guerra mundial ceifou a vida de Sam Englander (1896-1943), mestre do coral da Grande Sinagoga de Amsterdã, morto no campo de concentração de Sobibor. Gershon Sirota, o grande tenor da Sinagoga de Varsóvia e um dos primeiros Chazans a gravar em disco a música litúrgica, desapareceu durante os combates ocorridos durante o grande levante do gueto, em 1943.

Disco recomendado: Legendary Cantors, com Yossele Rosenblatt, Gershon Sirota, Shalom Katz, Berele Chagy e outros. Nimbus Records NI 7906. A pureza sonora deste CD nos faz esquecer que as músicas foram gravadas na década de 1920.


*Chazan: cantor principal da sinagoga, contratado ou convidado, que conduz as orações e lê o livro da Tora, especialmente no sabá e nas festas religiosas.