segunda-feira, junho 14, 2010

Nosso papel na Comunidade
Conta-se uma historia sobre o ocorrido em uma cidadezinha. Típica cidade do interior, contava com uma pequena comunidade judaica e apenas uma sinagoga. Um dia, pareceu na porta do templo e também no jornal comunitário uma noticia que impressionou a todos: "Com o mais profundo pesar, comunicamos a morte da nossa congregação. O féretro partira da sinagoga rumo ao cemitério, no domingo, às 11h."

Bem podia tratar-se de uma brincadeira, mas todos os anúncios vinham com o carimbo da congregação e a assinatura do rabino. "Deve ser serio" – pensavam.

No dia marcado, a sinagoga esta cheiíssima. Nunca se tinha visto tanta gente de uma só vez. Ha tempos, aquela que outrora fora o centro da comunidade, andava vazia. Mas não naquele dia. Todos esperavam ansiosamente pelo rabino, a fim de perguntar-lhe quem havia falecido. Afinal, a comunidade era pequena e todos se conheciam. Estavam todos la. "Quem será o defunto?" – se perguntavam.

De repente, o shamash (bedel) apareceu, empurrando um carrinho com um caixão. Era, de fato, um caixão; não havia duvidas. Colocou-o defronte a Arca Santa e, puxando uma cadeira, sentou-se ao seu lado.

Subitamente, ouviu-se um choro. A congregação paralisou. Com seus trajes rasgados, o velho rabino apresentou-se diante dos fieis com a aparência de quem havia perdido um ente muito próximo. "Meu Deus" – gritou uma senhora – "será que sua esposa faleceu?" Não. Ela estava lá. "Ai, não!. Será que foi seu filho, seu único filho?" – exclamou outra. Ele também estava lá, bem como sua nora, seus netos e bisnetos. Todos estavam lá.

Não faltava ninguém.

Mas nada disso importava. Todos se lembravam do rabino sorridente, acalentador, tranqüilo. Vê-lo neste estado era deprimente. Mesmo não sabendo o motivo, lagrimas começaram a verter de alguns olhos. Atentos, os fieis esticavam-se para ouvir e ver melhor. Nem respiravam.

O rabino dirigiu-se ao púlpito. Fez uma predica muito simples, mas extremamente emotiva. Mesmo quem não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, comoveu-se. Já no fim, em tom misterioso e compassivo, olhou para o caixão, depois para a comunidade e disse:

"Creio, meus filhos, que a nossa congregação não possa mais ressuscitar.

Não sou D’us, nem tenho poderes extraordinários, mas vou fazer uma ultima tentativa. Enquanto rezo, com a maior fé possível, vocês, em fila indiana, vão passando para ver o cadáver".

Dito isso, o shamash se levantou e abriu o caixão. Parou ao seu lado e começou a observar lá dentro.

Um frenesi tomou conta dos mais velhos. "Que absurdo!" – gritavam – "Isso não é um costume judaico!" Porem, os mais jovens se levantaram e formaram a fila e eles foram atrás. O desfile começou lentamente e, ao passar, todos olhavam, curiosos e admirados, para o caixão.

Como no fundo havia um espelho, cada um via seu próprio rosto dentro do caixão.

No fundo no fundo, esta história, apesar de ser uma fictícia parábola, acontece com todos nos. Nossas instituições estão ai, nossas escolas, nossas sinagogas, cada vez mais vazias, cada vez menos freqüentadas. Muitos acreditam que basta ser judeu nas Festas e comemorações, outros acham que ser judeu é apenas uma questão de fé. Com isso, acabam desprendendo-se de sua responsabilidade comunitária – seu papel na sociedade judaica – em sua comunidade, a responsável por nossa existência durante milênios. "E problema dos outros" – pensam.

Houve alguém no passado que pensava da mesma forma. Caim, inconformado com a graça que seu irmão Abel alcançava perante D’us, resolveu matá-lo. A grande lição moral destas ultimas Perashiot (porções semanais ou leituras semanais) lidas no Livro Bamidbar (Números – 4º Livros da Toráh – A Lei de Moises) esta na pergunta que D’us fez em seu devido momento a Caim: Aieca? - onde você esta? Caim, após ser questionado sobre seu irmão, responde com outra pergunta: Acaso sou guardião de meu irmão?; Lembremos que as letras que compõem a palavra Aieca, são as mesmas de Eicha, que significa lamentar. Muitas vezes lamentamos nossas apatias, quando estamos frente ao “caixão”, enxergando nossas próprias atitudes.

Esta pergunta nos é feita diariamente: Aiénu? - Onde estamos nós? Acaso estamos cuidando de nossos irmãos como deveríamos? Somos responsáveis por eles?

Sim, somos. Kol Israel are vim zé lace - todos somos responsáveis uns pelos outros (Talmud Shavuot 39a). Fazemos todos parte de um imenso corpo - um pequeno "problema" mal tratado e todo o conjunto pode estar comprometido. Um pequeno gesto pode modificar completamente o presente e construir um futuro melhor.

Se quisermos que o jargão "continuidade judaica" deixe de ser um slogan; se quisermos – como pensou (assim coincide entre outros Elie Wiesel), que judeu é aquele cujos netos continuam sendo judeus – ter orgulho de proporcionar a nossas famílias uma autentica vivencia judaica; se quisermos, sobretudo, evitar o funeral de nossa Historia, então, é hora de agirmos! Pois, com a "morte" espiritual de nossa tradição, seremos nos os sepultados. Nosso rosto é que estará’ no esquife do desprezo e irresponsabilidade.

A pergunta é: onde estamos nós? Onde esta cada um de nos.