sexta-feira, maio 08, 2015

Pensamento Judaico a respeito da Ecologia

Pensamento Judaico a respeito da Ecologia

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A curiosidade bíblica tem no Salmo 104 (Versículos 10 a 24) e um dos exemplos mais formosos do conhecimento do habitat natural dos animais e o ciclo de vida terrestre: “Ordenaste às fontes que alimentassem regatos, que estes corressem pelos vales entre as montanhas. Dão, assim de beber a todos os animais dos campos e satisfazem a sede de todos os silvestres. Perto deles habitam as do céu e, de entre os ramos das árvores, entoam seu canto, Regas as montanhas do alto de Tua morada e se farta a terra do fruto de tuas obras. Fazes crescer relva para o gado e plantas para uso do homem, para que da terra possa extrair seu pão, e também o vinho que alegra seu coração, bem como óleo que lhe faz reluzir o rosto. Fartam-se de seiva as árvores do Eterno, os cedros do Líbano por Ele plantados, onde os pássaros constroem seus ninhos e os ciprestes se abrigam as cegonhas. Os altos montes são refúgio para os cabritos, e as rochas para os coelhos. Para marcar as estações criaste a lua, e ao sol determinaste o tempo de seu ocaso. Estendes o manto da escuridão e faz-se a noite, quando despertam e vagueiam as feras da floresta. Os filhotes do leão rugem por sua presa, e buscam de D’us seu alimento. Quando nasce o sol, eles recolhem a seus covis. Sai o homem para seu trabalho e sua obra até a tarde. Quão imensa é a multiplicidade de Tuas obras!

O conhecimento da criação leva a admiração pelo Criador. Por isso os grandes professores talmúdicos admiravam o natural. Nas academias babilônicas da Sura e Pumbedita (ex-babilônia hoje Irak, século III até VII), Aba Arija e o Rabino Iehudáh ensinavam que o Criador "o bará davar echad lebatalá", “fez (o Criador) tudo com algum propósito”. Nesse contexto explicaram a existência da lesma, a mosca, o mosquito, a serpente e a aranha, em uma página talmúdica em que deste modo se mencionam costumes de muitos animais: leão, elefante, águia, baleia, cabra, ovelha, camelo, boi, lagosta, galinha, peixes, serpente e porco.

Outros rabinos que estudaram os processos do mundo animal nos sugerem como preservar as gazelas em seu habitat natural, ou ao homem em um estado de saúde (o tratado Taanit do talmud Babilônico menciona uma peste que afetava a porcos, que por ter intestinos parecidos com os humanos podiam produzir contágios letais).

Entre os professores se destaca Shimon Ben Chalafta (Século. II) a quem estavam acostumados a chamar "experimentador de todas as coisas". Ao ler o provérbio bíblico de que o preguiçoso deveria aprender da formiga porque sabiamente prepara no verão seu alimento e recolhe sua comida durante a ceifa, Rabi Shimon Ben Chalafta decidiu certificar-se se atrás da mensagem moral, efetivamente essa previsão tem lugar, ou se tratava de uma mera metáfora do Rei Salomão (Shelomo).

A intimidade com a amada natureza descobre a harmonia que sustenta o universo criado. Na Gênese, cada parte da Criação se rubrica quando "vê D’us que é bom". A partir dai, o ideal da ordem natural povoa nossas fontes. Quando D’us espeta ao Jô – Iov - (39:1) Contemplou você as cervas quando dão a luz?, O Talmud esclarece: "Ao agachar-se para parir as cabras monteses, sobem a uma montanha. Deste modo, a cria pode cair e morrer. Mas D’us tem pronta uma águia para que a recolha em suas asas e a ponha diante da mãe. Se a águia chegasse um segundo antes ou depois, a cabrita morreria".

A percepção de uma natureza harmoniosa chega a sua cúspide na visão messiânica do Isaías: "habitará o lobo com o cordeiro, e o tigre se deitará com o cabrito; o bezerro, o filhote do leão e o porco andarão juntos, e um menino os conduzirá. Encher-se-á a Terra de conhecimento do Senhor".

Nesse ideal teleológico, o homem reconhece a inter-relação entre os distintos tipos de vida, e, portanto, será consciente de que toda mudança que exerça artificialmente em um sistema natural, pode prejudicar esse sistema.
Em contraste, a tecnologia procedeu com uma soberba que transcende ideologias, e se desenvolveu sem ter em conta a capacidade limitada do capital biológico representado pelo ecossistema. O homem considerou os recursos naturais e a vida animal como uma herança de que pode dispor a seu desejo.

Mas a repreensão bíblica é dupla: por um lado "encham a Terra e dominem" e, simultaneamente, "cuidar o jardim".

Para proteger nossa Terra devem proteger-se seus recursos. Quando há quatro milênios o patriarca Abraham se separa de seu sobrinho Lot, justifica-o com "que a terra não é suficiente" para que a habitassem juntos. Com efeito, apascentar excessivo gado, especialmente ovino, pode esterilizar uma área fértil de pastoreio. Por isso Abraham e seus rebanhos tomam a direção oposta do Lot, para as serras do Hebrón, aonde o patriarca escolhe morar no Elonê Mamré (as Planícies de Mamré) e não sobre chãos cultivados.

Fiel à tradição judaica de amparo da natureza, o Estado do Israel criou em 1964 a Direção Nacional de Reservas Naturais. Quase trezentas reservas já foram demarcadas, cobrindo uma extensão de cento e sessenta mil hectares. As espécies protegidas nelas incluem vegetais como o carvalho e a palmeira, e animais como o leopardo, a gazela, íbex (cabra montês) e o abutre. Quanto aos animais, as fontes bíblicas são muito específicas em seu amparo. A comida inicial que Adão tinha ao seu dispor era de frutos e vegetais comestíveis. O Talmud, em uma clara apologia do vegetarianismo, interpreta que existia uma proibição de comer carne, que finalmente se permitiu na época do Noé, e só como transação.

O coração da mensagem ecologista é o amparo do bem comum, começando pelo planeta que compartilhamos, a casa que devemos manter: "cuidar o jardim". A terra é a matriz do homem: "dela provimos e a ela encaminhamos" (a voz "homem" em hebreu, "Adam" é da raiz "terra", "adamá"). Arón David Gordon levou essa ideia ao judaísmo contemporâneo, quando sustentou que o essencial do sionismo moderno consiste em fazer retornar ao povo judeu ao contato com a terra, à sociedade criadora que surge de lavrar o chão que nos deu.
A Bíblia provê leis ideais para o descanso da terra, como a "shemitá" ou ano sabático. Maimônides dedica muitas páginas de seu "Guia dos Perplexos" à questão (3:31) e explica que a finalidade do ano sabático não se reduz a "a comiseração e liberalidade para os homens" mas também a "que a terra se torne mais fértil, fortalecendo-se pelo descanso".

Outro conceito vital de nossas fontes é o do Baal Tashjit, o veto talmúdico contra a dilapidação, que deriva da proibição bíblica de destruir árvores: "Quando sitiar uma cidade ao combater contra ela para conquistá-la, não destrua suas árvores com sua tocha, porque deles te alimentas. Não terá que achar, porque a árvore do campo é como um homem. Só da árvore de que saiba que não é alimentício poderá cortar a fim de construir a fortaleza contra a cidade que te declara a guerra".

Um relato talmúdico do Rabino Eleazar compara a criação do mundo com a de um rei que criou um palácio em um depósito de lixo. Nossa missão é em efeito converter nossa casa em um lugar agradável e prazenteiro. Esse seria o melhor louvor ao Criador, posto que já o diz o salmista: "Iehalelú Sheme Hashamaim vehamaim...", Louvem os mais elevados céus e as águas....” – Salmo 148:4 Limpos uns, cristalinas as outras.

Shabat Shalom, Shabat  a ecologia do homem