Calendário Hebraico

O ANO JUDAICO,

A VIDA JUDAICA

 O ano judaico representa, esquematicamente, a vida e a essência do Judaísmo de todos os tempos.

É um mapa que nos indica quando e como os judeus se alegram, festejam e comemoram.

Conforme os talmudistas, os preceitos (mitzvot) que ordenam a vida judia são 613. Eles explicaram a presença deste número porque nele somam-se dois elementos:

- 248 - as partes do corpo;

- 365 - os dias do ano.

Todo o corpo, em todo o ano.

Todo o ser, em todos os dias.

O Judaísmo é, efetivamente, uma prática de vida na qual o excepcional (os dias que se destacam) não fazem mais do que confirmar o ordinário e o cotidiano.

Todos os dias temos que ser justos. Todos os dias temos que agradecer aos céus pela existência. Todos os dias temos que esperar e fazer alguma coisa por um mundo melhor, messiânico. Todos os dias cabe-nos buscar um remanso de paz interior e exterior. Todos os dias há que se liberar de ídolos e feitiçarias.

Os outros, os dias fora de série, iniciando semanalmente pelo Shabat, têm como função despertar a consciência frente ao não realizado, alertar o ânimo, aguçar os sentidos, afinar a sensibilidade.

O Judaísmo é uma teoria de educação, para que cheguemos a ser o que ainda não somos totalmente: humanos.

O ano judaico indica a guia efetiva, realizadora dessa concepção pedagógica: o que fazer quando te levantas, pela tarde, pela noite, no dia sem trabalho; na festa da liberdade.

Vejamos, ligeiramente, como é o ano judaico. Que fazem os judeus durante o ano?

Indiretamente, se delineará a imagem da vida em seus detalhes menores e maiores.

E, com ela, verás qual o lugar que ocupas.


NOSSO CALENDÁRIO



Através de ciclos periódicos, o ano judaico compreende uma média natural de 12 meses, 365 dias. Porém, não é bem assim, se toma cada período anual separadamente. Com efeito, a antiqüíssima tradição remonta épocas em que o passar do tempo se media de acordo com o ritmo da rotação lunar e esse segue sendo o eixo do sistema do nosso calendário. “Mês”, em hebraico se diz chôdesh: lua nova, ou yarêach: lua.

Mas, por outro lado, as festividades do povo estão ligadas, em princípio, nas estações do ano: primavera, outono, inverno e seus correlativos eventos agrícolas. Corresponde, pois, que Pêssach seja sempre na primavera, por exemplo. A tal efeito se retifica, de tempo em tempo, a contagem dos meses lunares, acrescentando um mês (o segundo Adar) para atingir esse equilíbrio (Com a repetição do mês de Adar temos anos de 13 meses).

Em 358 da E.C. foi Hilel II quem estabeleceu as regras de composição do almanaque do povo de Israel. Até então, requeria-se, mês a mês, a presença de testemunhas que tivessem visto a mudança da lua, ante o tribunal central. A partir destes testemunhos, o Sanhedrín (supremo corpo jurídico e legislativo), consagrava o dia de início do novo mês (alguns de 29; outros de 30 dias). Logo, saíam enviados para diferentes pontos da diáspora, para anunciar o predito. Os meios de comunicação não eram simples e as comunidades da diáspora - devido a demoras ou acidentes na recepção de mensagem, temiam ter dúvidas em relação ao exato dia em que haviam de celebrar as ordens da Toráh. Por isto acrescentou-se as festas de Pêssach, Shavuot, Sucot um segundo dia de santidade, chamado “segundo dia festivo para as diáspora”, a fim de evitar incertezas. É por isso que, por exemplo, enquanto em Israel se realiza apenas um sêder de Pêssach, na diáspora se realizam dois.

A conta dos anos chega, neste momento, a 5759. A tradição remonta a criação do mundo.

OS MESES DO ANO

 São doze os meses do ano: seus nomes foram trazidos da Babilônia pelos exilados que retornaram à terra natal, Israel, no ano de 536 A.E.C.. O significado dos termos é relativamente obscuro e limitar-nos-emos a citá-los.

Tishri, Marcheshvan, Kislev, Tevet

Shevat, Adar, Nissan, Iyar,

Sivan, Tamuz, Av, Elul.

O começo do mês é rosh (cabeça, princípio) chôdesh, o qual considera-se data festiva. A origem deste ritual é bíblico. Reuniam-se no Templo, faziam-se oferendas a D’us, banquetes e cânticos. (Números X, 10)

A vigência atual deste costume tem relevância na liturgia da sinagoga. No sábado anterior ao rosh chôdesh, anuncia-se oficialmente quando este cairá, e diz-se:

“Que o renove D’us para nós e para todo o povo da casa de Israel, para a vida e paz, regozijo e alegria, salvação e consolo, e diremos amém.

OS DIAS DA SEMANA


A semana de sete dias foi consagrada pela Bíblia, no correspondente relato da Criação com o qual se inicia: em seis dias D’us fez o mundo, e o sétimo foi Shabat, ou seja, suspensão de trabalho.

O número “sete” reveste um particular caráter de santidade, de simbolismo místico que se refere à perfeição. O candelabro de sete braços o reflete.

O dia, cada dia da semana, ajuda num programa para a vida judaica, desde seu começo até seu declínio e entrega-a nas mãos do sonho.

Três ordens de orações dividem o dia:

Shacharit (matutina)

Mincháh (da tarde)

Arvit (noturna)

O prescrito é participar da reza comunitária, o que requer não menos de um minián (dez pessoas) na sinagoga.

Este escalonamento do dia entre seções diz que o homem interrompa suas atividades, para elevar-se por cima das necessidades prementes do momento e colocar-se em plano superior, cósmico, histórico, nacional e religioso - este é o conteúdo que rege todas as orações.

Antes e depois de comer deve o homem realizar as bênçãos em agradecimento a D’us.

A benção depois da comida denomina-se Birkat Hamazon. Recordemos alguns fragmentos:

“Benditos sejas Tu, Oh Eterno, D’us nosso, Rei do universo, que alimenta o mundo inteiro com tua bondade, com graça, caridade, piedade;

o que traz alimento a todos os viventes, porque eterna é Sua caridade, e com sua grande bondade, nunca nos faltou coisa alguma, e jamais nos faltará alimento,

por seu grande nome,porque Ele é D’us que alimenta e sustenta

a todos, e faz o bem a todos, e prepara alimento para todos os seres que criou”.


O SHABAT


Os dias hebraicos não possuem nomes próprios e sim primeiro, segundo, até chegar ao único que tem nome, o Shabat. Seu nome deriva de seu conteúdo especial: um dia para a liberação do homem. O realismo da tradição israelita não pode evitar a contemplação de dias sufocantes, dias penosos, trabalhos que escravizam, alguns mais, outros menos. É a realidade: 

“Com o suor do teu rosto comerás pão todos os dias da tua vida...” (Gênesis III, 17)

A cessação do trabalho, que o Shabat requer não é um mero recurso “social” para compensar problemas de sete dias. Pretende muito mais: a recuperação do homem em sua essência . A possibilidade de estar consigo mesmo, sem alienação, com a família, esposa, filhos, membros da casa:

“Recorda-te do dia de sábado para santificá-lo.

Seis dias trabalharás e farás teus trabalhos e o sétimo dia é para deixar o trabalho, para teu D’us.

Não farás tarefa alguma,nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva,nem teu gado,nem o forasteiro que  habita na tua cidade”.      (Êxodo XX, 8-10)

Desta maneira, também, o duro trabalho dos outros seis dias deixa de ser um castigo e volta-se para o Shabat. Assim, com efeito, vê o poeta em Salmos CXXVIII:

“ Quando comas do trabalho das tuas mãos que bom para ti, feliz de ti.

Tua esposa será como parreira fecundável por toda a tua casa.

Teus filhos como brotos de oliva, em torno da tua mesa”.

Trabalhar para alguma coisa, para alguém, para um dia na semana de paz interior e entre os humanos, a sua vez, poderia ser felicidade e não castigo.

É aí que a santidade do Shabat, o dia maior e mais santo do ano judaico é superado, talvez, apenas pelo Dia do Perdão. Assim, recupera-se a harmonia prevista na criação.

A estrita proibição de todo trabalho ordena, indiretamente, que o homem retome outras necessidades da vida, esquecidos no caminho do tráfego cotidiano.

Começa - este palácio no tempo, como o chama o Rabino Abraham Ioshua Heschel z"l - na noite de sexta-feira (as jornadas judaicas se se tendem do pôr do sol ao pôr do sol). O pai e os filhos vão à sinagoga, aonde se recebe o Shabat como a uma rainha-noiva:

“ Vamos, meu amado, ao encontro da noiva, o rosto do Shabat receberemos”.

Ao retornar para a casa, brilham as velas acesas. Resplandece a mesa. A mais pobre das casas se enriquece com uma luz que provém de outra esfera, não material.

É preceito divino comer , alegrar-se e cantar.

É um dia com tempo para quem nunca tem tempo.

Tempo para viver, conviver, pensar, agradecer, rezar e reviver a existência e seus mistérios e refletir. Isso é o que todos querem e não sabem como consegui-lo: sermos nós mesmos.

O Shabat é um oásis de D’us para o homem.

 ROSH HASHANÁH (COMEÇO DO ANO)

 O mês de Tishrê é o primeiro. Nos textos bíblicos, o citado mês é considerado o sétimo na ordem e, por outro lado, é Nissan o denominado “primeiro dos meses”.

Temos, portanto, dois meses que disputam, na história, o privilégio de iniciar o ano judaico.

O final já o conhecemos, “ganhou” Tishrê. Indo mais fundo, devemos compreender que esses não competiam entre si. Havia quatro começos do ano, entre eles:

1. O ano da natureza, o da primavera - Nissan, o mês da festa de Pêssach.

2. O ano do político, sociável, exterior e administrativo - Tishrê.

O nome Rosh Hashanáh terminou sendo aplicado exclusivamente a Tishrê, contudo, continua se seguindo o ciclo normal da natureza, que floresce com Nissan (“mês dos pimpolhos” e da liberdade: Pêssach).

A tradição situa, no 1º dia de Tishrê, o começo do mundo. Esse tema tem um valor fundamentalmente moral: o dia em que o mundo foi criado, há de ser, conseqüentemente, no dia em que o mundo é julgado.

D’us, o Criados, manifesta aos hebreus Sua força, Sua identidade, em Sua qualidade de Juiz.

Este é o caráter particular que toma o ano novo dos judeus. É festa, é alegria e regozijo, mas com tristeza.

Alegria porque estamos em um novo ano; tristeza, porque seremos julgados pelo ano transcorrido.

Ano novo, vida... velha. O ano passado não está passado e sim presente. Temos que presenciar  “balanço da alma”:

“Leva em conta de onde viemos, e aonde vamos, e ante quem há de redimir contas...”      (Pirkê Avot, III)

O ponto importante da filosofia judaica é esta confiança de que há Alguém que não deixa de olhar a ação humana. Se não julga o homem, julgará D’us. D’us é a alternativa ética que não deixa escapatória.

A educação humana que o Judaísmo propaga desde a Bíblia, consiste em assumir a responsabilidade por nossas ações. Mesmo que às escuras, sem testemunhas, sempre há Alguém. Por mais sós que estejamos, não estamos a sós. D’us é A Companhia, se A quiseres. É Juiz implacável, mesmo que não O queiras:

“Olho que vê, ouvido que ouve,e todas as tuas ações se escrevem no livro” (Pirkê Avot, II).

Em relação à natureza se tem dito: nada se perde, tudo se transforma. No humano, nada se perde, tudo se conserva e se julga. Não é o indivíduo como tal que se apresenta ante a Justiça do Criador. É o “homem - povo” e o “povo - homem” a totalidade. A responsabilidade é coletiva. Ser judeu é ser responsável pelos outros:

“Todos os israelitas são responsáveis uns pelos outros...” (Shavuot, 39)

 Daí que as rezas de Rosh Hashanáh têm como sujeito primordial o povo e seu destino histórico.

A idéia não é mortificar-se pelo mal realizado, mas sim retomar o bem perdido.

Ao fazer o cheshbon hanêfesh (balanço da alma), o homem revê os caminhos da vida e reaprende a escolher. Arrepender-se é fazer teshuváh, que não consiste em um bem para D’us, senão em remodelar a própria existência.

O livro de orações diárias de todo o ano judaico se chama sidur (ordenamento das orações). O de Rosh Hashanáh e de Iom Kipur (dia do perdão ou da expiação; ambos se denominam os dias majestosos) se chama “machzor” (ciclo, de ano em ano). As orações propendem, em última instância, ao Bem Universal, à Humanidade.

O acontecimento característico de Rosh Hashanáh (1º e 2 de Tishrê, inclusive em Israel) é o som do toque do shofar (corno de carneiro), que tem por função simbólica despertar o povo de sua modorra, inércia e abandono dos hábitos inveterados.

O ano novo reclama, com o shofar, renovação da vida. Há um estremecimento, mas, também, otimismo de festa: o destino do homem depende do homem:

“Além do mal,faça o bem;busca a paz,realiza-a” (Salmos XXXIV, 15)

 No livro do profeta Micháh está escrito: “E, lançarás às profundidades do mar todos os nossos pecados” (Micháh, VII,14). “Lançarás” está escrito, em hebraico, tashlich.

Sobre este versículo nasceu o costume popular de ir, no primeiro dia de Rosh Hashanáh, pela tarde, a beira de um rio, ou fonte e aí pronunciar certas orações. Muitos costumam, nesse momento, esvaziar os bolsos. Simbolicamente se jogam todos os pecados ao rio, para que a corrente os devore e os apague.

ERA UMA VEZ UM ALFAIATE...

... que era piedoso, simples e pobre. Um dia foi chamado para ir à casa do governador. O governado, é claro, era muito poderoso e tinha fábricas de tecidos. Chamou o governador ao alfaiate e disse: “pegue este tecido, que é feito nas minhas fábricas, e confeccione com ele um terno”. E lhe deu um prazo para realizar a tarefa.

O alfaiate, todo emocionado, pegou o tecido e voltou para a sua casa. O alfaiate tinha tempo. Trabalhava com o terno do governador e se dedicava também a outros afazeres. Ia diariamente a Sinagoga, demorava-se em discussões em vão e, quando voltava para casa, já era tarde e apenas podia dar algumas costuradinhas. Cumpriu-se o prazo. Vieram os soldados do Governador e reclamaram o terno. Não estava concluído. Teve que se apresentar diante do Governador e rogar clemência. O Governador aceitou dar-lhe outro prazo.

O alfaiate aos poucos trabalhava e lentamente ia armando o terno, mas faltava-lhe o essencial, aquilo que sem o qual um terno deixa de ser terno. O alfaiate sentia-se culpado, discutia constantemente com sua mulher e queixava-se da comida que era demasiadamente fria para seu paladar ou excessivamente quente. Aproximava-se o término do prazo. O alfaiate desesperado comia e trabalhava ao mesmo tempo. A comida caiu sobre o terno. Pegou a roupa e correu ao rio, para lavá-lo. Se lhe deslizou das mãos e caiu em águas turbulentas. Aterrorizado o alfaiate se jogou na água para recuperar a sua perda, mas não sabia nadar e também se perdeu atrás da roupa. (Metáfora da vida).



 OS DEZ DIAS DA TESHUVÁH


É um dia, mas muito mais que um dia. Os preparativos começam já no mês anterior a Tishrê, no mês de Elul.

Quando começa Elul, impõe a tradição, que todas as manhãs se toque o shofar (corno). Princípio da prática do despertar. Durante todo um mês há que se preparar, reflexivamente, para chegar ao Dia do Juízo.

No primeiro dia desse mês subiu Moisés ao Monte Sinai acompanhado pelo som do Shofar.  Daí o costume popular que torna Elul um período preparatório para a ascensão, para o cume que o homem há de achar na progressiva auto-análise, no processo da teshuváh. O cume dá-se em Rosh Hashanáh.

Porém, Moisés esteve no cume quarenta dias. Faltam dez dias. Chamam-se “os dez dias da teshuváh” que se cumprem no dia dez de Tishrê, em Iom Kipur, dia da graça, do perdão e da expiação.

É o dia da penitência, da meditação. O juízo tem lugar no interior do coração humano e necessita de tempo para amadurecer. Não basta a idéia superficial que diz: “me arrependo”. Exige-se a plena identificação de todo o ser.

Aquele que o faz, assume todo seu passado, não para ligar-se a ele, senão, precisamente, para superá-lo, para modificar o rumo presente-futuro, para renascer para outro horizonte positivo, esse se chama Baal Teshuváh (praticamente “pessoa que retorna às fontes judaicas”). Esse homem é um rebelde, não se submete à lei da inércia, do fácil e instintivo. Decide tomar a “rede” da sua vida em suas mãos e moldá-la eticamente.

Este homem é o mais valioso no Judaísmo. Supera inclusive ao homem piedoso que nunca pecou, que jamais conheceu o mal, que sempre caminhou pelas sendas de D’us e que, portanto, é “habitualmente” bom. O Baal Teshuváh, ao contrário, tem um heroísmo muito particular: luta contra suas próprias tendências insalubres e flexíveis. Por isso, tem produzido  o povo hebraico esta frase:

“Onde os praticantes da Teshuváh estão parados não há lugar para os justos costumeiros”.

Inclusive quando no povo de Israel começou a se impor a imagem de outro mundo (em hebraico: Olám Habá; o mundo vindouro depois da morte) superior a este “vale de lágrimas”, como mundo ideal, supremo, ânsia paradisíaca, se chegou a dizer:

“Vale mais uma hora de teshuváh neste mundo que toda a via eterna do mundo vindouro”.

 O som do Shofar tem três modalidades: tekiáh - som duradouro;

Shevarím - som dividido em três;

Teruáh - som dividido em nove.

Há quem desperte de golpe, de uma só vez. Outros necessitam que se sacuda.

“ouça, Israel...”

E acorda de teus sonhos evasivos.

IOM KIPUR (O DIA DO PERDÃO, DA EXPIAÇÃO)


Durante um longo ano comete o homem toda sorte de erros, atropelos, voluntários, involuntários. O processo da teshuváh (arrependimento, retorno ao bem) não poderá realizar-se magicamente em um dia. A tradição judia coloca ao mês de Elul, último do ano, como prefácio para ir preparando o homem para a reflexão profunda, até o grande caminho interior. Cedo, nas manhãs de Elul se ouve o som do shofar:

Desperta povo!

Uma semana antes de Rosh hashanáh, também durante a madrugada, se dizem as orações que se chamam “selichot” (perdões).

O 1º de Tishrê é o grande dia, a base para um ano novo e um novo ano de vida. Depois seguirão nove dias até o dia do perdão. Dez dias, para aprofundar-se dentro de si, afastar o mal, aproximar o bem. O processo chega a sua culminância no dia 10 de Tishrê: Iom Kipur.

Culminância momentânea, enquanto ao ritual em si. Estritamente, o processo continua em cada pessoa e sua realização ulterior. Bem que os sábios advertiram:

“O que diz cometerei pecado, e logo me arrependerei, não se permitirá o arrependimento”.

(Mishnáh Ioma, V)

Explica o rabino Soloveichik: a expiação, kipur, na raiz hebraica, refere-se ao “que cobre”, ou seja, o castigo que envolve o ato perverso. Tudo o que se pode anular, deter ou parar é o castigo; mas não é possível fundir no nada a essência mesma do ato cometido; esse ato está aí, e a única maneira de superá-lo é através de uma transcendental modificação da conduta pessoal posterior. Os atos são do homem, seguirão sendo dele, e a conseqüência, sua responsabilidade. D’us pode apagar o castigo, não o ato.

Do mesmo modo entenderam os Profetas que o jejum - que acompanha todo o dia do perdão - por sua parte não faz milagre. Uma expressão exterior de alguma coisa que não cresce dentro do interior priva o jejum de valor. Assim lê-se no texto de Isaías que forma parte da liturgia do grande dia:

“Por acaso - disse D’us - este é o dia de jejum (que Eu desejo):

mortificar a alma, baixar a cabeça...? (Não!).

Eu quero um jejum que elimine as correntes do mal,

que livre aos oprimidos, que dê liberdade aos espoliados

e que todo jugo seja desamarrado.

Dar pão ao pobre, trazer o necessitado a tua casa...”

Observemos também que as más ações ou transgressões têm duas polaridades: uma do homem em relação ao homem e a outra, do homem em relação a D’us. A primeira é a da vida diária, exterior, social e inter-humana. A outra, do âmbito da alma, é o segredo da consciência. A primeira é coisa de homens, e os homens têm de resolvê-la:

“As transgressões que vão de homem a homem,

não são espiadas pelo Iom Kipur, se antes

não forem perdoadas pelo próximo”.  

Daí que se costuma pedir previamente o perdão de nossos semelhantes, se eles não perdoam, D’us não poderá intervir.

O jejum do dia não sacrifica nada a favor de D’us, sendo que tal idéia seria eminentemente pagã. O que faz é reconcentrar o homem em seu espírito, afastá-lo, por algumas horas, da servidão do homem ao corpo e a suas necessidades.

 PÊSSACH

Das três festas, Pêssach é a primeira. Começa o dia 15 de Nissan e dura sete dias em Israel (oito, na diáspora).

O mês de Nissan é considerado “o primeiro dos meses”, é o Rosh Hashanáh da natureza.

Seu valor indica que é o começo propriamente dito, da história judaica, desde a escravidão do Egito até a liberdade.

A tradição marca este início como essencial, a tal ponto que a definição radical que o judaísmo bíblico escolhe para D’us se encontra neste acontecimento e não em outro.

“Eu sou eu D’us, que te tirei do Egito, da casa dos escravos”

Começa afirmando no trecho dos dez mandamentos (Êxodo, XX).

Na simbologia de Pêssach ocupa lugar preponderante a matzáh, bolacha sem fermento, ou “pão da pobreza”, como dizem. Ao sair rapidamente do Egito, os hebreus, encabeçados por seu líder Moisés, não chegaram a colocar o pão no forno e fizeram massa de farinha e água. Por isto se proíbe em Pêssach comer alimentos com fermento e outras substâncias.

Sêder. Assim se denomina o ritual íntimo-familiar na noite de Pêssach. Toda a família deseja congregar-se em torno de uma mesma mesa. Sêder significa “ordem”. É uma noite “ordenada”. É diferente de todas as noites do ano. O pai atua como um “rei”. Ontem escravo, hoje rei. Esta noite, não é como todas as noites do ano.

Esta noite é diferente. É noite de festa, de narração. Com efeito, ao se reunirem para narrar uma velha história, a história da escravidão dos judeus no Egito, de sua redenção, de sua sobrevivência. Extraordinária noite!

Extraordinária narração!

“Narração” diz-se, em hebraico, “Hagadáh”. Na noite do Sêder todos os membros da família lêem um livro especial chamado, precisamente, Hagadáh. Aí está, simplesmente, relatada a história, a velha e sempre nova história, do povo hebreu. Narração do passado e do presente. Diz a Toráh: “e, narrarás a teu filho...” Pêssach é a festa dos filhos, é para os filhos. Mas, é necessário que o filho pergunte.

Tudo é extraordinário. Tudo é predisposto para anunciar aos filhos, para incentivá-los a pergunta. Então o filho pergunta: “Em que se diferencia esta noite das noites do ano”? E continuarão as perguntas: Por que se come matzáh? Por que se comem ervas? Por que estão todos sentados como reis? Por quê? O pai terá que responder. Toda a Hagadáh não é mais do que uma colocação exposta de perguntas essenciais. Revive a história. O pai começa dizendo: “Fomos escravos do Faraó no Egito...”

Maravilhosa narração. Todos a conhecem, mas é sempre nova e estremecedora. D’us tirou ao povo do Egito. D’us está presente na noite do Sêder. Se D’us está presente, cabe esperar a redenção final de todos as coisas ruins e de todas as penúrias. É noite de alegria com hálito divino. É a primavera na alma.

 SHAVUOT

 Shavuot implica a maturidade do ser. Seu nome o sugere, já que está ligado com a cifra cabalística “sete”, que denomina perfeição. “Sete semanas” depois do primeiro dia de Pêssach, têm que se contar para alcançar a festa de Shavuot: “a semana das semanas”, no dia cinqüenta.

As fontes bíblicas para o aspecto agrícola da festa de Shavuot são: Êxodo XXIII, 14-16; Êxodo XXXIV, 22; Levítico XXIII, 15-21; Números XXVIII, 26-31; Deuteronômio XXVI, 1-11.

Todos estes textos da Toráh dizem o motivo da primeira colheita e a gratidão do homem a D’us, na liturgia, na palavra, na oração e pelos frutos obtidos.

O segundo assunto, “a entrega da Toráh” é pós-bíblico. Não obstante, será este, o que, através do tempo, cobrará maior relevância na tradição do povo, dado que em seu tormentoso exílio, não tinha outro refúgio que a sua Toráh, lei e sabedoria, norma e consolo.

Quando no último século, propôs o Sionismo o retorno a pátria de Israel, os chalutzím foram recuperar seu contato físico e cósmico com a terra. Renasceu então - e, fundamentalmente, com a criação do Estado de Israel em 1948 - a epopéia de apalpar com mãos próprias, frutos próprios, na terra própria, e elevar gratidão ao céu.

Diz no Salmo CXXVI:

 “Os que plantam com lágrimas colhem entre cânticos”.

Detenhamo-nos agora no vocábulo “Toráh” e suas várias interpretações

Os primeiros cinco livros da Bíblia (Pentateuco).

Configuram o todo da Lei, cujo eixo histórico se delimita no monte do Sinai e a revelação da palavra de D’us ante todo o povo, na aliança (Berit) introduzida pelos “dez mandamentos” ou “Decálogo”.

O mediador entre D’us e o povo foi Moisés. Recebeu a palavra e a transmitiu. A tradição estabelece aqui dois momentos ou categorias dentro da palavra: 1) A palavra escrita; 2) a palavra oral, comentário da anterior, e que passa de geração em geração.

A tradição oral, também ela, foi relatada por escrito na monumental obra do Talmud (século VI), explicitação, codificação e interpretação dos ensinamentos da Toráh (escrita). Maimônides, o grande filósofo judeu-espanhol (1135-1204) explica que, na realidade, a tradição oral deveria permanecer eternamente oral, mas os perigos que assolavam o povo da Toráh fizeram com que todo este acervo se documentasse e não fosse perdido, nem esquecido.

Em conseqüência, “Toráh” chegou a ser conceito amplo e equivalente, também, a “cultura, pensamento e mundo interior”. Tanto quanto o cumprimento da Lei, foi consagrado pelo povo e sua história, o estudo da Lei, a discussão, a pergunta, a aprofundamento. Na Mishnáh mencionam-se as grandes obras que não têm medida e todas são superadas por uma: TALMUD TORÁH, o estudo da Toráh.

Recordamos sumariamente a ordem e conteúdo dos “Dez Mandamentos”.

1. Eu sou teu D’us.

2. Não terás outros deuses; não farás imagens de idolatria.

3. Não falarás o nome de D’us em vão.

4. Honra o sétimo dia, o Shabat.

5. Honra e respeita a teu pai e a tua mãe.

6. Não matarás.

7. Não cometerás adultério.

8. Não roubarás.

9. Não incutirás em falso testemunho.

10. Não cobiçarás tudo o que é do teu próximo.

Este Decálogo, se distribui formalmente, em duas partes, correspondentes as duas pedras a onde estava gravado. A distribuição não é fortuita. Os primeiros cinco mandamentos referem-se às relações do homem com D’us. Mesmo que no caso do quinto esteja escrito textualmente: “para que teus dias sejam mais compridos na terra que teu D’us te dá”. Nos cinco restantes , no entanto, não aparece menção alguma a D’us, e, portanto, referem-se às relações do homem com o homem.

Esta divisão formal, não obstante, não é mais que aparente. No Judaísmo, a idéia ética é total e absoluta, não admite parcialidade. O Decálogo é um. As duas partes complementam-se, exigem-se reciprocamente. O que se admite e se acentua é que a existência humana se desenvolve - ou deve desenvolver-se - em um duplo plano ao uníssono: relação com D’us e relação com os homens. O mesmo indivíduo que em Shavuot oferecia as primícias de seu campo e fala a D’us, é o mesmo que minutos mais tarde deverá alegrar-se, com seus próximos. Ambos os atos configuram uma idêntica realização vital; cada um deles tomando separadamente e em forma individual é imperfeito e falível.

SUCOT  (CABANAS)

 A festa das cabanas ocorre durante o outono, em Israel. O ano da natureza retorna aos lares. Tishrê - concluído o ciclo da colheita é tempo de reflexão.

Pêssach é a primavera.

Shavuot a maturidade.

Sucot, a reflexão de dias que se acabam muito cedo, como a vida.

Por isso em Pêssach lê-se O Cântico dos Cânticos, livro do amor juvenil e esplendoroso, passional e efervescente.        

 Em Shavuot, o livro que se lê é o de Rut, mulher moabita, que entende o amor mais além da explosão dos sentidos, como juramento de fidelidade mais que a um homem, a seu povo.

Em Sucot o livro que se lê é o Eclesiastes, aquele que começa dizendo:

“Vaidade de vaidades, tudo é vaidade ... Que benefício obtém o homem de todo seu trabalho, abaixo do sol”?

 Perguntas e dúvidas também são partes da vida e partes fundamentais da existência, o momento de ânimo caído, não para afundar na depressão, mas para saber distingüir entre valores momentâneos, passageiros e valores essenciais, da eternidade.

Sucot festeja-se sete dias. Mais um dia, e temos a Shemini Atzêret (o oitavo da congregação). Em Israel conjuga-se, com esta última data, Simchat Toráh (a alegria da Toráh), de origem pós-bíblica e que traça a linha popular do regozijo por haver cumprido o ciclo anual da leitura da Toráh na Sinagoga.

O motivo histórico que se acrescenta à festa de Sucot é o da morada dos hebreus, ao sair do Egito, em cabanas, enquanto perambulavam pelo deserto até a terra de Canaã.

A sucáh (a cabana) será o símbolo fundamental da festa. Durante os dias de Sucot é preceito e norma morar em cabanas fracas, que se constroem previamente. O teto, deve ser de palha, de galhos entrelaçados, ou seja, nenhum material consistente, duro, firme, se não um sechach - cobertura - ralo, de tal forma que “se possam ver as estrelas durante a noite”.

 Na primavera seria um prazer, mas no outono, pode chegar a ser uma incomodação. Os sábios viram justamente nesta “moradia fraca”, uma clara imagem da vida humana, que Sucot vem a colocar-nos ante a vista, para que reflitamos: as vivendas de cimento e de concreto, aço e estabilidade em que habitas não são mais que aparência; a vida é sucáh - mole, inconsistente, passageira, pronta para desmoronar a qualquer momento. Essa é parte da condição humana (condição de toda a existência) que costumamos esquecer, considerando-nos eternos, imortais.

Em Sucot temos que reviver a intempérie, e conscientizar-nos dela. Se o fizéssemos, viveríamos, em geral, com outros valores, sem idolatrias vãs e com algo mais de felicidade.

Para esse motivo filosófico, além de histórico, se acrescentam quatro elementos da natureza que são:

- A folha de palmeira;

- A cidra (etrog);

- O mirto;

- O salgueiro.

Pegam-se todos juntos na mão e bendiz-se a D’us.

São quatro os aspectos da natureza, muito diferentes entre si. Temos visto nestes, quatro tipos humanos que conformam a sociedade:

A cidra tem sabor e tem aroma; equivale aos indivíduos de sabedoria e boas ações.

A folha de palmeira (lulav) tem sabor, mas não tem aroma; são os homens de muito saber, mas desprovidos de boas ações.

O mirto tem aroma mas não sabor; são os homens de boas ações, mas ignorantes.

O salgueiro não tem nem sabor nem aroma; são os homens sem sabedoria e sem boas ações.

Somos diferentes e, juntos, formamos um povo, uma unidade, e nos complementamos uns aos outros. Por isto necessitamos estar juntos.

O sétimo dia de Sucot denomina-se Hoshanáh rabáh; seu nome provem de uma série de cânticos religiosos denominados hoshanot (o fio condutor é a fórmula: hoshia na! “Salva-nos, por favor!”).

Em Sucot culmina o ano da natureza, o sentido e a transcendência histórica das três grandes festas judias.

Martin Búber dizia que há tempos em que o homem se sente no mundo como se estivesse em sua casa e há tempos em que o homem percebe sua existência no mundo como se estivesse abandonado, à intempérie. O homem contemporâneo, particularmente, passa por estes segundos tempos.

Através das três grandes festas judias, tentamos aprofundar-nos na essência recôndita do judaísmo e na sua concepção de mundo e de homem. Culmina o ano festivo em Sucot. O homem na sucáh não está na intempérie, pois tem uma moradia e tem D’us nessa moradia. Porém, esta não é uma vivenda completamente fechada, mas que está em comunicação com o mundo, com as estrelas do céu. Na sucáh aprende o homem a restaurar sua comunicação ontológica com tudo que existe e, principalmente, com o próximo.

O profeta Amós viu na sucáh o símbolo da “casa”, da existência do povo hebreu em sua própria terra, na natureza primeira da sua origem e de seu destino. Durante muitos anos, esta “casa” permaneceu em ruínas. Durante muitos anos, o povo judeu sentiu-se na intempérie, na solidão de um mundo que lhe saía ao encontro com ódio e hostilidade. Assim tem sido até nosso século, até que o povo retornou a sua terra e reconstruiu sua “casa”, para estabelecer nela o reino dos valores éticos e seu sonho de paz e de harmonia universal.

SIMCHAT TORÁH

 Mencionamos, anteriormente, que Sucot culmina com a festa chamada Simchat Toráh. É a festa da alegria do povo que conclui o ciclo anual da leitura do livro que é sua alma, raiz e essência. É a festa do regozijo do povo que tem cumprido um ano a mais como povo. Todos sobem, então, à leitura da Toráh, até as crianças. Abraçar a Toráh é firmar um pacto de identidade e de eternidade.

 PURÍM

 Também festivos, mas de santidade menos rigorosa no ritual, tanto pelas normas de ação, devido aos motivos históricos que lhes deram nascimento, são Purím e Chanukáh

Purím figura na Bíblia, no livro de Ester. Nesse texto não aparece o nome de D’us, talvez porque trate de uma época e um lugar na diáspora onde D’us estava bastante esquecido pelos homens que optaram a favor da assimilação.

A ação da história transcorre em terras do Oriente, Pérsia e arredores, de cores exageradas e em um tempo e com personagens que não permitem uma identificação clara.

Esta é a história - sempre verdadeira, sempre precisa - do anti-semitismo. Aí aparece o primeiro grande teorizador do ódio ao judeu - Haman - ministro do estranho e torpe rei Achashverosh, que aconselha seu amo a exterminar os filhos de Israel, pelo simples fato de serem diferentes, de diferentes costumes e convenções. O rei é ridicularizado, pois somente um assunto causa-lhe obsessão, despedir mulheres, pegar mulheres novas e, por isso, está disposto a firmar qualquer decreto. Entra na cena Ester, da estirpe Hebraica, enviada por seu tio Mordechai, namora o rei e logo consegue salvar ao povo judeu e eliminar a Haman.

Purím significa “sorte”. Se deu à sorte a data em que os judeus deviam ser exterminados. (Era o único, a respeito do qual - ironicamente se sugere - duvidávamos da data. A respeito da matança em si não havia dúvidas nem vacilação alguma). A sorte caiu sobre o 14 de Adar.

Purím é o fervor popular. Como se seguissem os passos do relato bíblico, pleno de comicidade, dissipação de vinhos e banquetes, Purím convida ao judeu a beber até quase a embriaguez.

O assunto contribuiu para representações populares de tom gracioso e brincadeiras variadas.

O outro lado da moeda é o ancestral costume de enviar presentes e comidas para os pobres, para que não lhes falte sustento para o festejo.

Das antigas comédias que se faziam em honra ao Purím (PURÍM shpil), passou-se aos disfarces que, nos últimos tempos, têm tomado particular vigência.


CHANUKÁH

 É o 25 de Kislev.

Seu motivo histórico remonta os tempos de domínio grego no Oriente médio, entre elas, a terra de Israel.

No ano 162 A.E.C. a repressão dos governadores gregos chegava no seu cúmulo. Os gregos pretendiam helenizar a todo o mundo e não toleravam a teimosia dos judeus fiéis a sua religião e costumes. Proibiram, então, que se cumprissem as normas da Toráh de Moisés. Desta maneira, entendiam que podiam apagar a identidade judaica.

Muitos dos filhos de Israel, foram cativados pela cultura de Homero, Pindaro, Aristóteles e constituíram o crescente bando dos helenizadores.

Porém, havia um punhado de patriotas que de modo algum cediam e que, encabeçados por Matatiahu o Chashmonai, da Galiléia, iniciaram a rebelião contra os gregos. Entre os filhos de Matatiahu, supremo sacerdote daquela época, destacou-se Iehudáh, o Macabeu. Em dura e sangrenta luta, esses crentes no D’us Único alcançaram o ideal da autonomia, de serem eles mesmos, de expulsar o invasor que havia profanado o Templo e colocado nele suas vãs deusas.

Quando reconquistaram o Templo, o purificaram e encontraram em um canto um pequeno recipiente com azeite para os candeeiros da Menoráh (candelabro de sete braços).

Reinauguraram (Chanukáh: reinauguração), então, o culto de Israel, acendendo a Menoráh. Foi por um milagre que esse azeite manteve acesa a chama durante oito dias.

Chanukáh se comemora, então, durante oito dias.

Na festa, acende-se diariamente um candelabro de oito braços (Chanukiáh), para lembrar a façanha daqueles homens que souberam preservar a sua identidade ao custo de fé e de coragem.

A façanha dos Macabeus tem sido, em todas as gerações, uma ardente chama que guiou aos judeus até a façanha do renascimento de Israel: o Sionismo. 

DIAS DE LUTO E DE JEJUM


Alegrias e tristezas se alternam na vida dos indivíduos, das famílias e dos povos.

Cada rosa tem sua sombra nos espinhos.

O Povo de Israel, ao longo da sua história, teve que concentrar sobre si diferentes ódios, pelo simples fato de querer ser fiel às tradições, ao seu acervo cultural, a humanística idéia de que os homens, distintos entre si, não são e nem devem ser iguais na área privada de suas convenções, crenças e rituais.

Em princípio, se odeia o que não é como nós mesmos. Isto é lei psicológica e sociológica, lamentavelmente.

Muita foi e segue sendo a solidão judaica no mundo. Os dias de luto nacionais têm se conservado no almanaque judaico e não são menos do que os de regozijo. Sem eles, sem o conhecimento das feridas, negar-se-ia uma parte da realidade. E o que caracteriza ao Judaísmo é o sumo otimismo, mas, também, um sumo realismo.

Tisháh beav, o dia nove do mês de Av, é o mais triste do ano. Nele se conjugam (ou a tradição tem concentrado nessa data) as maiores desgraças:

1) A destruição do primeiro Templo (586 A.E.C.);

2) A destruição do segundo Templo (70 E.C.);

3) A expulsão dos judeus da Espanha (1492).

Dizem que o dia em que o Templo foi feito cinzas, nasceu o Messias. Esta idéia implica a pena que faz brotar a esperança. Faz-se o jejum e se espera.

No dia 9 de Av dizem-se poemas de luto (kinot), sentados no chão e lê-se o livro das Lamentações (Echáh).

Os sábios talmudistas perguntaram-se: Por que aconteceram estas desgraças (a queda dos sucessivos Templos)?

Responderam: Durante o primeiro Templo o povo desviou-se da senda de D’us e dedicou-se à idolatria e à imortalidade.

Porém - insistiram - durante o segundo Templo, época essa dos grandes sábios e estudiosos de Israel, que mal poderiam ter feito?

Eis aqui a solução do enigma. Havia muito ódio entre os irmãos.

Esse é o maior mal. A destruição interna produz destruições desde o exterior. Sem fraternidade, a existência quebra-se e produz luto.

São, também, datas relativas a acontecimentos que prepararam a caída do Templo: o 10 de Tevet e o 17 de Tamuz, dia de luto e jejum.

O dia 3 de Tishrê denomina-se jejum de Guedaliáh: este foi o último governador que teve o Reino de Iehudáh, e, com sua morte (foi assassinado), perdeu-se definitivamente a autonomia política.

Os dias da conta (iemê hasefiráh) são os que estão entre Pêssach e Shavuot; são considerados de luto e neles está proibido fazer festas, casamentos ou outras celebrações.

Os dias da “conta” são os da “conta de Ômer”. “Ômer” era um punhado de cereais que se trazia ao Templo a partir do segundo dia de Pêssach (Levítico, XXIII: 15; 16). O fato era festivo.

O motivo da pena acrescentou-se durante a história penosa. Conforme a tradição, na rebelião contra os romanos, morreram, nestes dias, os discípulos de Rabi Akiva, na sua luta pela liberdade (ano 132 da E.C.).

Somente no dia de Rosh Chôdesh que cai dentro da conta e no dia 33 da conta (“lag”, 33 baômer) pode-se interromper o luto que - diz a narração - foi dia de vitória naquela luta emancipadora.

O dia 13 de Adar é o “jejum de Ester”; na véspera da festa de Purím, recorda, com efeito, os jejuns e rezas dos hebreus ante a iminente catástrofe programada pelo anti-semita Haman (ver Purím).

 IOM HASHOÁH (Lembrança do Holocausto)

 A última grande catástrofe do povo judeu foi a Hecatombe Européia causada pelos nazistas. Esse dia de luto que nos acompanha como uma sombra perpétua, porque somos seus filhos, seus sobreviventes, é o dia 27 de Nissan.

Este é o Iom Hashoáh.

Lembra-te. Nunca te esqueças. A consciência é, antes de tudo, memória. Deixemos que a poesia expresse a suprema dor que não admite consolo:

EM MEMÓRIA AO DIA DA HECATOMBE E A REBELIÃO

 Recordemos a nossos irmãos e irmãs,

as casas das cidades e vilas                 

as ruas aldeãs rumorosas como torrentes,

as milhares de comunidades judias

com sua família humana,

e todo o povo de Israel

que sucumbiu em terras da Europa nas mãos

do assassino nazista;

ao homem que lançou seu alarido

e com o alarido na garganta expirou:

a mulher que apertava sua criatura contra o seio

e seus braços caíram rígidos

ao lactante cujos dedos buscavam o seio da mãe

e ela jazia azulada e fria;

os que entregaram sua vida na luta,

embora não conseguissem se salvar.

Recordemos as montanhas de cinzas,

que jazem embaixo de floridos jardins.

 Lembre o vivo de seus mortos,

que aqui estão, frente a nós;

eis aqui seus olhos, que brotam a nossa volta.

E não nos demos trégua nem repouso;

sejam nossas vidas testemunhos dignos de sua memória.

 ABA KOVNER


 MOMENTOS NA VIDA DE CADA UM

 O ano judaico tem um só sujeito: o povo de Israel, a nação histórica, seus cantos e suas lágrimas.

O Judaísmo é coisa do povo judeu.

Os indivíduos têm, aquém do âmbito nacional, o setor da vida privada, também matizado com cores claras, tons escuros e cinzas intermediários.

O individual-pessoal-privado não pode desligar-se totalmente do coletivo-nacional-histórico. Assim é que o segundo oferece marcos de inserção para o primeiro e vice-versa.

Na cerimônia da chupáh (pálio nupcial), quebra-se uma taça, para recordar a destruição de Jerusalém.

O Bar-Mitzváh dos homens, aos 13 anos, é a festa de ingresso oficial e responsável à vida comunitária.

Não se festeja um “aniversário”, e sim a assumida da mitzváh, o ordenamento da vida judaica.

A dor tão íntima de quem perde um ser querido encontra, também, pontos de expressão dentro da liturgia sinagogal: o kadish, que as pessoas de luto dizem durante 11 meses, todos os dias e a recordação especial (izkor), para a qual o ritual de orações dá lugar, mesmo que brevíssima (já que a prática do luto deve ser limitada, ao mínimo, ao Judaísmo clássico), em ocasiões especiais como:

a) O último dia de Pêssach;

b) O segundo dia de Shavuot;

c) O oitavo dia de Sucot;

d) Iom Kipur.

Não há, em geral, um dia de defuntos, e a visita aos cemitérios, particularmente na véspera dos “dias majestosos” (Rosh Hashanáh e Iom Kipur), não há de ser entendida como culto aos mortos, senão como uma ação que ajuda a refletir acerca dos assuntos capitais da vida.

O lema fundamental é: “Escolherás a vida” (Deuteronômio XXX, 19).

Os momentos astronômicos da existência privada buscam exteriorização judaica e, como tais, tendem a engajar-se no comunitário.

O nascimento de um menino dá lugar, aos oito dias, ao Berit Miláh, “Aliança da Circuncisão”. Costuma-se realizar a cerimônia na sinagoga ou em casa, com não menos de um minian (dez) de pessoas.

Se nasce uma menina, dá-se o nome na sinagoga, no shabat, durante a leitura da Toráh.

A vida de cada um ganha relevância e sentido quanto é compartilhada.

Desde o nascimento até a morte, a vida de cada um adquire valor histórico ao inserir-se na comunidade histórica. Inclusive a sepultura no cemitério judeu implica - em expressão bíblica - “reunir-se com o povo”, “reunir-se com os antepassados”.

O Judaísmo é um projeto que pretende alcançar a perfeição humana e o anelo da mesma.

Sem o “Tu”, o “Eu” é inconcebível.

Sem “nós” não há personalidade nem identificação possíveis.

Comunidade em hebraico diz-se Kehiláh.

Quais, pois, são as funções da Kehiláh?

Favorecer, acima de tudo, a educação, para que cada qual aprenda a ser o que deve ser e, logo, colocar a sua disposição todos os elementos: físicos, espirituais e culturais, para que o ano de cada um possa ser judeu, se é que se decide assim fazê-lo.

IOM HAATZMAUT

A FESTA DO NOSSO TEMPO

 Iom Haatzmaut, o dia da independência do Estado de Israel, é a novíssima e mais alta festa do nosso tempo.

No dia 5 de Iyar do ano 1948, foi proclamada a citada independência.

Cumpriram-se as palavras dos profetas.

Realizou-se o sonho sionista.

A Esperança - chamada Hatikváh, nome do hino judeu - tornou-se verdade. Inclusive a liturgia dedica a este dia salmos especiais e bênçãos particulares.

 De particular relevância é o Salmo CXXVI que anuncia:

“Quando D’us fizer retornar os cativos de Sión,

como sonhando estaremos;

então se encherá de risada a nossa boca

e nossos lábios de gritos de alegria.

Então se dirá entre as nações: grandes

coisas há feito D’us com estes!

Sim, grandes coisas fez em nós D’us

o gozo nos transbordava!

Há de voltar, D’us, a nossos cativos como torrentes no Negueb!

Os que semeiam com lágrimas

colhem entre cânticos.

Ao ir, vão chorando,

levando a semente;

ao voltar, voltam cantando

trazendo seus molhos”.

No Estado de Israel, congregam-se todos os tempos que o ano judeu comemora, preservam-se os de exaltação e os de pesadelo.

Aí, frente ao Knêsset (Parlamento) está a Menoráh, que ardia no Templo e que não pode ser suprimida da realidade judaica, inclusive quando os Romanos tomaram-na, ao saquear. Ela continuou ardendo, primeiro no peito de cada homem descendente de Abraham; agora nos símbolos do Estado Hebreu.

Disse Chaim Weizman, primeiro presidente de Israel: “O Estado não foi entregue sobre bandeja de prata”.

Custou sangue e sofrimento. Vidas quebradas nos altares pagãos da história.

Ainda hoje, véspera da festa, é Iom Hazicarón, Dia da Lembrança, para as almas dos caídos em luta pela defesa (Haganáh) de Israel.

 ... RUMO A PAZ: SHALOM

 Um sonho foi realizado, mas falta ainda a paz completa, definitiva. As palavras dos profetas cumpriram-se; hão de fazer-se carne e história as outras, as que olham mais de longe, aquelas que coroam o envio messiânico para todos os homens do mundo.

O profeta Isaias, no capítulo II, vê-o assim:

 “Irá suceder em dias futuros

que o monte da casa de D’us

será acentuado acima dos montes

e levantar-se-á por cima das colinas.

Confluirão a Ele todas as nações,

e acudirão povos numerosos. Dirão:

“Venha, subamos ao monte de D’us,

a Casa de D’us de Jacob,

para que Ele nos ensine seus caminhos

e nós sigamos seus caminhos”.

Pois de Sión sairá a Lei,

e de Jerusalém a Palavra de D’us.

Julgará entre as pessoas,

será árbitro de povos numerosos.

Forjarão, de suas espadas, arados

e, de suas lanças, podadeiras.

Não levantará espada nação contra nação,

nem exercitarão mais a guerra.

 A mesma visão, em Isaías XI, toma esta forma:


“Serão vizinhos o lobo e o cordeiro

e o leopardo se irá com o cabrito,

o novilho e o cachorro passearão juntos,

e uma criança pequena os conduzirá.

A vaca e a ursa passearão, juntas deitarão suas crias;

o leão, como os bois, comerá palha.

Remexerá a criança de peito no agulheiro da áspide,

e na toca  da cobra;

o recém desmamado colocará a mão.

Ninguém fará danos, ninguém fará o mal

em todo meu santo Monte,

porque a terra estará cheia de conhecimentos de D’us,

como cobrem as águas o mar.”


O DIA DE JERUSALÉM


O primeiro degrau da escada na subida até o messianismo já está dado, é o que os cabalistas denominam hatchaltá digueulá (começo da redenção). Inclusive, pode falar-se de um segundo degrau até o alto do futuro, constituído pelo Dia de Jerusalém, 28 de Iyar, referindo-se ao ano 1967, quando a cidade de David, capital do Judaísmo de todos os tempos, foi unificada e, em conseqüência, revitalizou a raiz mais antiga do seu nome Shalém (completa, inteira, íntegra).

 Amen, que assim seja!

Que o próximo ano nos dê paz.

Amen, que assim seja!