domingo, junho 17, 2012

Judaísmo e Igualdade

Um vôo pela tradição

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Recentemente observando as manifestações em contra da vinda do presidente de Irão a Rio+20, deparei-me com um interessante ponto: como encarar a questão da igualdade entre os homens? Hoje vamos fazer um pequeno passeio pelas fontes judaicas sobre o tema. Nosso avião esta prestes a decolar. Aperte os cintos e boa viagem!

Prosper Weil, em “O Direito Internacional no Pensamento Judaico” (Ed. Perspectiva, pag. 34) lembra-nos que “Os comentaristas judeus observaram inúmeras vezes que a Bíblia não começa pela historia do povo judeu, mas sim pela da humanidade, cuja unidade fundamental se encontra, dessa forma, colocada em relevo desde o inicio”. De onde podemos extrair uma prova para Weil? Ninguém melhor que o profeta Malaquias* (2:10) para ensinar: “Não temos todos um único pai? Acaso não foi um único D'us quem nos criou?” Uma passagem que gosto muito é citada no Talmud Babilônico ( Tratado Sanhedrin 38b): “O pó que deu origem a Adam* provem de todas as partes do mundo” - terra vermelha, terra escura, terra clara, etc - todas formando um único ser, do qual todos descendemos, “para que ninguém diga: meu pai é maior que o seu!” (Mishnáh Sanhedrin 4,5). Todos nos fomos criados à imagem e semelhança divina (Gênesis 1:26), e “nossa meta é sermos nos mesmos uma revelação, para que possamos claramente reconhecer-nos como uma manifestação de D'us!” (Baal Shem Tov*). Leo Trepp, dizendo (No Livro: “Uma experiência Judia”) que: “o homem é a única criatura capaz de reconhecer seus avos e seus netos” e que, portanto, “É consciente de sua individualidade”. Aí chegamos a uma contradição: se cada um de nos é um ser individual, como evitar que nossas diferenças não se transformem em armas de racismo, preconceito e segregação? Como evitar que façamos a clássica pergunta de José (Gênesis 50:19): “acaso estou eu no lugar de D’us?” e acreditarmos que “o homem é um deus para o homem”, como dizia Baruch Spinoza*?

Neste momento, talvez, você esteja um tanto confuso. Afinal, demos voltas e voltas e retornamos à mesma questão inicial. Mantenha seus cintos bem apertados, pois nossa viagem ainda não acabou. “A humanidade é um organismo vivo, cujos diferentes povos são os membros”, escreveu Moshe Hess em seu livro “Roma e Jerusalém” (1862). Cada um de nos possui um corpo, composto por vários órgãos, cada qual tendo uma função determinada, diferente uma da outra. O olho vê, a mão escreve e assim por diante. Juntos, agem como poderosos engrenagens trabalhando em perfeita harmonia, fazendo a locomotiva da vida seguir adiante; separadas, lembram-me uma historia do poeta Khalil Gibran: “O olho disse: veja que bela montanha temos no horizonte!. O ouvido tentou escuta-la, mas não conseguiu. A mão disse: estou tentando senti-la, mas não posso. E a nariz afirmou: não existe montanha, pois não sinto seu cheiro. E todos chegaram à conclusão que o olho estava mentindo.”

Assim funciona com a humanidade, e com isso, nosso avião prepara-se para pousar. Konvitz não responde com objetividade à nossa pergunta, mas traz uma importante passagem do Talmud (No Tratado Berachot 17a):

“Eu sou uma criatura de D’us e meu semelhante é uma criatura de D’us. Meu trabalho é na cidade e o seu é no campo. Eu me levanto cedo para o meu trabalho e ele acorda cedo para o seu. Ele não pode fazer direito meu trabalho e eu não posso fazer direito o seu. Mas, talvez, você diga: eu faço grandes coisas enquanto ele faz pequenas coisas. Saiba que já aprendemos que não importa se um pessoa faz mais ou menos - se ela mesma é mais ou menos. Importa se seu coração esta direcionado aos céus”.

Sim, somos diferentes. Pertencemos a distintas religiões. Pertencemos, inclusive, a distintas facções dentro da mesma religião, dentre tantas e inúmeras diferenças. E são justamente estas distinções que fazem que nosso mundo seja maravilhoso. Nem mesmo gêmeos univitelinos são iguais. Um motor precisa de diferentes pecas funcionar, cada qual indubitavelmente necessária. Nossa tarefa é não ficar comparando-as e sim torna-las insignificantes aos nossos olhos. E como fazemos isto? Deixando que o amor de nossos corações atue como guia. Se eles estiverem sinceramente voltados aos céus, nossa visão sobre a vida mudará completamente. Quando realmente sentimos nossos corações, desejamos que todos ao nosso redor também compartilhem conosco deste sentimento. Como uma chama ardente, todos, sem exceção ou distinção, são convidados a absorver seu calor. Esta é a barreira final. Quando isto acontecer, todas as diferenças serão esquecidas. Você voltou à terra firme e é hora de iniciar a mudança!. A revolução começa pela “auto-evolução”.

Obrigado por voar em nossa companhia!

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* Adam: assim é conhecido o primeiro ser humano, tem a mesma raíz em hebraico que a palavra adama: terra, adam: sangue.

* Baal Shem Tov: 'Rabi Israel ben Eliezer (em hebraico רבי ישראל בן אליעזר) ou Baal Shem Tov, também conhecido pelo acrônimo Besht (nacio um 25 de agosto de 1698 – Medzhybizh, Ucrânia, e faleceu um 22 de maio de 1760) foi um conhecido rabino místico,  tido como fundador do hassidismo.

* Baruch Spinoza: (também Benedito Espinoza; em  hebraico: ברוך שפינוזה, transl. Baruch Spinoza) ( 24 de novembro de 1632, Amsterdã — 21 de fevereiro de 1677, Haia) foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna.