quinta-feira, junho 05, 2008

Palestra para os Pais.

Elie Wiesel, reconhecido, universalmente como o escritor do Holocausto resumiu nossa inigualável sobrevivência atual com as seguintes palavras: “Nós somos a mais amaldiçoada e a mais abençoada de todas as gerações. Somos a geração de Job, mas também somos a geração de Jerusalém.”
A tentativa de genocídio de nosso povo e o retorno subseqüente á nossa Terra Mãe, prometida biblicamente, serão, certamente, anotados pelos historiadores como dois dos acontecimentos religiosos mais significativos do século XX.
Outra realidade da vida judaica, conseqüência do holocausto e do renascimento de Israel, tem um significado relativamente maior:
O indescritível assassinato de seis milhões de inocentes que desapareceram só porque eram judeus levaram os sobreviventes a procurar uma melhor compreensão de sua tradição e de sua herança, que foram quase apagadas.
A suprema ironia da era posterior ao nazismo é que a Solução Final deu origem a um renascimento religioso, o movimento dos baalê teshuváh – retorno religioso á nossa fé - nunca antes testemunhada na história judaica com tamanha intensidade e com tal quantidade.

D’us não morreu em Auschwitz.

O que tornou-se, metaforicamente, claro para Moshéh no seu primeiro encontro com o Todo Poderoso, tornou-se, miraculosamente, aparente ao contemplarmos o fracasso de Hitler, o moderno Haman, quando procurou destruir totalmente o nosso povo.
Por que D’us manifestou-se inicialmente a Moshé, escolhendo-o para liderar o povo da escravidão para a liberdade, “em um arbusto (em hebraico senéh) que queimava pelo fogo e não era consumido?”
Não tencionava demonstrar que podia fazer milagres.Poderia ser escolhido outro entre uma infinidade de feitos diferentes. Mas o snéh ou seneh (a palavra hebraica para arbusto), e o lugar posteriormente denominado Sinai,onde a Toráh nos foi concedida- era uma planta cuja indestrutibilidade serviria como um paradigma do poder inigualável do povo judeu não ser consumido, através da história.
Contra todas as leis da natureza, correndo contra todos os princípios da história, como codificados por historiadores como Toynbee e contra o exemplo de todas as nações que existiram antes, ou ao mesmo tempo que nós e que já desapareceram, os judeus foram oferecidos aos fogos, dos crematórios e das tochas, de incontáveis inimigos “não foram consumidos”.
Os atuais sobreviventes dos horrores nazistas podem ser desculpados se a sua resposta teológica à perda de aproximadamente dois terços de nosso povo, foi a rejeição de D’us dos seus pais.
Na verdade, muitos escolheram a estrada da negação religiosa.
Muitos outros viram naqueles eventos irracionais um desafio espiritual.
Não foi D’us no céu que falou aos seus filhos, mas os seres humanos aqui embaixo que demonstraram quão bárbaros são os seus comportamentos quando guiados unicamente pelos padrões e valores seculares.

Os alemães nos deixaram questões – seis milhões no mínimo. Tornou-se uma suprema tarefa da geração pós-holocausto procurar e investigar, perguntar e refletir, tentar compreender uma fé que passou pelos testes do tempo,mas parece ter perdido o confronto com a razão e a crença continua e permanente em um Deus onipotente e beneficente.
Milhares de anos atrás, durante o primeiro Holocausto na história judaica, que aconteceu no Egito,o grito da luta foi: “Deixe o meu povo ir” ( “Let my people go”).Em nosso tempo, conseqüência de um período de incompreensão o Rabí Steinzaltz deu origem a um novo slogan: “Deixe o meu povo conhecer” ( “Let my people know”).
O conhecimento é mais forte que o poder.Como Salomão escreveu no livro dos Provérbios: “Se lhe falta conhecimento, o que é que você tem? Se você tem conhecimento o que é que lhe falta? Os sobreviventes têm que saber o propósito do seu advento, de sua existência”.
E a resposta deve ser mais que a banal referência a uma “tradição” ou a um “violinista no telhado”.
“Deixe o meu povo conhecer” - e dezenas de milhares de judeus, nos Estados Unidos, na Europa, em Israel procuraram resposta nas sinagogas, nos cursos de educação para adultos, nos programas de estudos judaicos, nos grupos de estudos chavuráh. E, centenas de novas escolas floresceram para dar sustento espiritual aos sedentos de conhecimento judaico, de nossa geração.

De onde surgiram tantos baalê teshuváh?
Os místicos sugerem uma resposta fascinante. Seis milhões de pessoas desaparecem. Entre elas, aproximadamente, dois milhões de crianças –bebês jovens e adolescentes- impedidas de exercerem o seu potencial de vida.
É possível que D’us lhes tenha dado “segunda oportunidade” e que de fato a grandeza do movimento dos baalê teshuváh, reflete aquela multidão de almas que reencarnaram e estão espalhadas pelo mundo?
E aqui no Brasil e na América Latina será que essas almas reencarnaram?
Parece que o holocausto da assimilação vai nos consumindo se não conseguirmos incendiar o arbusto de nossa sobrevivência. O que fazer para despertar nossas comunidades para o fogo que não consome e que da vida?

A resposta esta, no meu entender, no slogan do Rabi Adin Steinzaltz:
“Deixe o meu povo conhecer”!
Deixe o meu povo conhecer a nossa história.
Deixe o povo conhecer a história de nossos sábios. Deixe o povo conhecer como sobrevivemos a 4000 anos de história.
Deixe meu povo conhecer que somos mais ou menos 15 milhões - menos de um terço de por cento de cinco bilhões de habitantes deste planeta e que apesar de numericamente pequenos, somos ainda uma luz para toda a humanidade. Não é uma pena deixar de ser judeu?
Apesar de todas as perseguições e sofrimento, não somos um povo de coitados. Não devemos ter vergonha de nós mesmos.
Somos o único povo que tem uma história que permeia todas as civilizações, por 4000 mil anos.

Temos que encontrar os meios para ensinar a nós judeus a conhecer a nossa história e quem somos nós.

A nossa sobrevivência entre os povos durante, 4000 anos, passo por muitas épocas distintas:

1) A época de Nossos Pais, de Abraham até a conquista de Canaã.
2) A Primeira Comunidade de 1200 até 586 antes da era comum (a.e.c.) .É a idade dos juízes, reis e profetas, de guerras divisões e rebeliões e também o nascimento de grandes verdades espirituais. Nesta época o primeiro templo foi destruído.
3) A Segunda Comunidade de586 a.e.c. até ao ano 70 da era comum (e.c.). Inclui a época da Diáspora dos judeus da Babilônia, o retorno e reconstrução do Templo, os contactos com os Persas e os Gregos, a luta dos Chasmoneus e o jugo dos Romanos. E nesta época aconteceu a destruição do Segundo Templo
4) A história dos judeus do leste. Período do crescimento e declínio dos judeus na Babilônia e na Palestina durante mil anos da era comum, período do desenvolvimento do Talmud. Do aparecimento das religiões ocidental e oriental que se originam do judaísmo.
5) A Idade Média na Europa. Ela se entrelaça com a época anterior, pois os judeus traçaram sua história um ou dois séculos antes da era comum. As comunidades européias eram tão diferentes na sua origem e desenvolvimento que é impossível distingui-las dos judeus do leste. É dessa época o assentamento dos judeus em várias partes da Europa e a participação dos judeus no lento crescimento da cultura européia, as cruzadas e todas as desgraças que se seguiram.
6) A Época Moderna: do iluminismo, da revolução industrial,do holocausto e do renascimento do Estado de Israel.

Todas as civilizações que conhecemos deixaram um registro de sua história. Através de coisas materiais. Sabemos disso pelas tábuas de pedras e pelas ruínas escavadas pelos arqueólogos.
Tomamos conhecimento dos judeus, da nossa história e sobrevivência, desde os tempos primitivos ou imemoriais, principalmente pelas idéias que ensinavam e do seu impacto sobre outros povos e civilizações. Existem poucas tábuas, ou nenhuma, deixadas pelos judeus de antigamente, contando sobre batalhas e poucas são as ruínas contando o antigo esplendor.

O paradoxo é que os povos que deixaram monumentos como registro de sua existência desapareceram com o tempo, enquanto os judeus, que deixaram idéias, sobreviveram.
A história mundial conferiu aos judeus seis desafios que ameaçaram sua sobrevivência. Os judeus emergiram desses desafios e viveram para enfrentar desafios subseqüentes.
O mundo pagão foi o primeiro desafio da sobrevivência judaica...
Os judeus eram um pequeno bando de nômades, atores extras entre potências tais como a Babilônia, Assíria,Fenícia ,Egito, Pérsia.

Como conseguiram sobreviver como grupo cultural durante 1700 anos de sua história, enquanto todas as outras nações entraram em conflito e foram aniquiladas?
O que salvou os judeus foram as suas idéias com as quais responderam a todos os perigos que enfrentavam.
Tendo sobrevivido a 1700 anos de peregrinações e perseguições, escravidão, dizimação em batalhas e em exílios, os judeus retornaram a sua terra natal para encontrar-se com o período greco-romano de sua história.
Este foi o segundo desafio e foi um verdadeiro milagre que os judeus sobreviveram.
Tudo que era tocado pela Hélade (Grécia antiga) durante os anos mágicos de sua grandeza tornou-se helenizado, incluindo seus conquistadores: os romanos.
A religião grega, a sua arte e literatura; as legiões romanas, a legislação e a forma de governo- deixaram um sinete indelével em todo o mundo civilizado.
Entretanto, quando as legiões romanas foram derrotadas, sua cultura entrou em colapso e morreu.
As nações que foram subjugadas primeiras pelos gregos depois pelos romanos desapareceram. Novas nações surgiram pelas forças das armas. Os judeus permaneceram, sobreviveram, não pela força dos seus braços mas pela força de suas idéias.

O terceiro desafio que os judeus enfrentaram consiste em um fenômeno incomparável e sem paralelo na história.

Foram criados “dois judaísmos, ou duas vertentes do judaísmo”: uma, na Palestina; e, outra, iniciada na diáspora babilônica (palavra diáspora derivada do grego significa Dispersão). A diáspora, ainda hoje, é o conjunto de judeus espalhados pelos quatros cantos do mundo gentio e portanto fora da Palestina, hoje Israel.
Foi também a era da fragmentação do povo judeu em pequenos grupos, dispersos através de imensas áreas de terras e entre culturas, as mais divergentes, que se estende desde a época da expulsão dos judeus de Jerusalém pelos babilônios no VI século a.e.c. até o período no qual os judeus foram liberados dos guetos, no século XIX da e.c.
Como os judeus puderam manter-se longe da assimilação e da absorção em um mar de povos estranhos em torno deles?
Os judeus enfrentaram este desafio criando um código religioso legal- o Talmud Babilônico e o Talmud de Jerusalém. O Talmud sérvio de força aglutinadora e de reorganização espiritual. Esta foi a “Idade Talmúdica” de nossa história.
No VII século, o judaísmo deu origem à religião maometana.

E, este foi o quarto desafio que os judeus tiveram que enfrentar.

Em cem anos, o Império Maometano, o Islã, cresceu para desafiar a civilização ocidental. No meio dessa religião, os judeus, não apenas sobreviveram, como ascenderam a um dos mais elevados píncaros de sua história na literatura, na ciência e intelectualmente. O judeu desta época tornou-se estadista, filósofo, médico, cientista, homem de negócios, capitalista cosmopolita. O árabe torno-se a sua língua mater. Setecentos anos se passaram e o pêndulo oscilou. O mundo islâmico desintegrou-se e a cultura desintegrou-se com ele.

O quinto desafio foi a Idade Média.

Este foi o período mais negro da humanidade tanto para os judeus como para o homem ocidental. Foi um período de luta contra a extinção que durou 1200 anos. Todas as nações não cristãs foram derrotadas em nome da cruz, exceto os judeus. Os judeus emergiram deste período negro espiritualmente e culturalmente vivos.
As idéias lançadas pelos seus grandes eruditos foram testadas e passaram pelo teste da sobrevivência
Quando as paredes dos guetos caíram,os judeus tornaram-se parte integrante do tecido da civilização ocidental, em menos de uma geração. No transcurso de uma geração e ainda sob as sombras do gueto tornaram-se primeiros ministros, capitães da indústria, líderes militares membros privilegiados de uma intelectualidade de vanguarda que reformularam o pensamento europeu.

O sexto desafio é a Idade moderna ela mesmo.

O aparecimento do nacionalismo, da revolução industrial, do comunismo e do fascismo nos séculos XIX e XX e com o surgimento simultâneo de uma doença virulenta no pensamento ocidental – o anti-semitismo, foi um desafio muito especial para os judeus.
Novas respostas de sobrevivência tiveram que ser forjadas para enfrentar esses desafios. Se as respostas foram adequadas ou não só o futuro poderá nos dizer.
Vemos que a história dos judeus se desenrolou dentro de seis civilizações. Isso contradiz muitas escolas teóricas de história, que afirmam a impossibilidade dessa sobrevivência, pois em analogia como ser humano, toda a civilização deve durar uma única vida, que subsiste em torno de 500 até, mais ou menos, 1000 anos. E, como vimos, os judeus contrariam essa tese,desde a sua formulação, uma vez que existem há 4000 anos, cultivaram seis culturas e seis diferentes civilizações e muito provavelmente sobreviverão á sétima.
Como pode-se reconciliar esses fatos com a teoria?
Este é o desafio que eu proponho à juventude, aos baalê teshuváh e a comunidade.
E aos que permitam que o nosso grito penetre no coração dos seus filhos.
Deixe o meu povo conhecer! Como?
Estudando a nossa história, a história de nossos sábios, a nossa filosofia de vida, o pensamento judaico e, fundamentalmente, o símbolo real de nossa sobrevivência: A Toráh, que engloba o Tanach (Bíblia), a Mishnáh e o Talmud. E, por fim, sem ser o último desafio, cumprir os shabatót e todas as nossas festividades, tornar-se um membro ativo de nossa comunidade na educação, nos clubes, nas nossas instituições e nas sinagogas.
E como dizia o Rabí Israel Salanter. Na preparação para a festividade Rósh HáShanáh quando nos submetemos ao julgamento de D’us, torne-se uma pessoa reclamada pela sociedade.



Obras consultadas:
1) O Understanding Judaism by Rabí Benjamin Blech.
2) Jews, God and History by Max. I. Dimont
3) A History of The Jews by Solomon Grayzel
4) Os Judeus, O Mundo e o Dinheiro, Jaques Altali
5) Historia do Pensamento judaico – Raymond Berger.